A alegria era imensa, dentro de uma camisa cáqui, de mangas compridas e calça de tergal de igual cor. No debrum da camisa, havia um traço indicativo do ano em que o aluno estudava. Aqueles que ostentavam quatro tracinhos, esnobavam. Eu ainda não. Feliz, estava meu pai, Tião Sapateiro, ao ver meu progresso, quando me fez uma revelação matemática que me deixou deverasmente curioso.
— Quando você for estudar Álgebra Elementar, começar a fazer contas não somente com números, mas com letras também, você vai ver como a Matemática é bonita.
Aquilo me fez pensar muito no que seria operar com letras e números ao mesmo tempo. Tião Sapateiro só estudou até o terceiro ano do antigo Curso Primário, porém, tinha sempre às mãos livros de Aritmética, como os do matemático luso-brasileiro Antônio Bandeira Trajano. Sua diversão era resolver questões envolvendo cálculos. E quase sempre me chamava para participar. Imagina!
Quando, finalmente, comecei a estudar a tal Álgebra, contei-lhe com alegria a novidade. Meu pai, então, apresentou-me uma história que parece haver retirado de livros dos tempos da Carochinha, tempos em que os bichos falavam e ave columbina não era presa para gavião, voraz ave de rapina. Eis o que ele me narrou, logo de manhã, quando me preparava para estudar:
— Numa manhã, um imponente gavião real pousou em uma árvore repleta de pombas brancas, e as cumprimentou, solenemente:
— Bom dia, minhas 100 pombas!
— Bom dia, gavião – respondeu uma delas, que fez algumas ressalvas:
— Cem pombas não somos nós; com outro tanto de nós; com a metade de nós; com a quarta parte de nós, e contigo, gavião, seremos 100.
Finalizada tão graciosa e imagética narrativa, meu pai fez a pergunta inevitável:
— Quantas pombas havia naquela árvore? – E, juntamente com Darci de Seu Abelino Novaes, seu amigo sapateiro, que estava na tenda, ele olhou para mim e esboçou um tímido sorriso no canto da boca, a mostra um ponto de ouro em um de seus dentes, num claro sinal de desafio.
Não sei se resolvi logo, de primeira. Não me recordo que ele tenha me ajudado, todavia, acredito que sim. E achei a resposta da imaginativa questão, que levei para sala de aula, mostrei aos colegas e ao professor de Matemática, Tércio Santana, de apelido Tutes.
— Bom dia, minhas 100 pombas!
— Bom dia, gavião – respondeu uma delas, que fez algumas ressalvas:
— Cem pombas não somos nós; com outro tanto de nós; com a metade de nós; com a quarta parte de nós, e contigo, gavião, seremos 100.
Finalizada tão graciosa e imagética narrativa, meu pai fez a pergunta inevitável:
— Quantas pombas havia naquela árvore? – E, juntamente com Darci de Seu Abelino Novaes, seu amigo sapateiro, que estava na tenda, ele olhou para mim e esboçou um tímido sorriso no canto da boca, a mostra um ponto de ouro em um de seus dentes, num claro sinal de desafio.
Não sei se resolvi logo, de primeira. Não me recordo que ele tenha me ajudado, todavia, acredito que sim. E achei a resposta da imaginativa questão, que levei para sala de aula, mostrei aos colegas e ao professor de Matemática, Tércio Santana, de apelido Tutes.
Se você, por outro lado, não achou a resposta (ou sequer tentou encontrá-la), a resolução está no final desta crônica. Não se preocupe. Tentei ser bem didático.
Tempos depois, ainda estudante ginasiano, no também distante ano de 1974, o mesmo Centro Educacional onde estudava, abriu as portas para um curso de Eletricista Instalador, realizado nas férias juninas daquele ano, promovido pelo SESI/SENAI e ministrada pelo professor soteropolitano Wilson Bezerra, ex-aluno da Escola Técnica Federal da Bahia.
O curso foi muito bom e proveitoso, pois, ao final dele, consertamos a instalação elétrica do colégio e fizemos a primeira ligação com interruptor three way da nossa cidade, num comprido corredor da escola. Do curso, participaram, além deste que escreve, Charles de Adão Bodeiro, Zé Sugesta, Nem de Tenente, Isoterano, Neto de Seu Antônio Teixeira, Agnelo de Donaricota, dentre outros.
Tempos depois, ainda estudante ginasiano, no também distante ano de 1974, o mesmo Centro Educacional onde estudava, abriu as portas para um curso de Eletricista Instalador, realizado nas férias juninas daquele ano, promovido pelo SESI/SENAI e ministrada pelo professor soteropolitano Wilson Bezerra, ex-aluno da Escola Técnica Federal da Bahia.
O curso foi muito bom e proveitoso, pois, ao final dele, consertamos a instalação elétrica do colégio e fizemos a primeira ligação com interruptor three way da nossa cidade, num comprido corredor da escola. Do curso, participaram, além deste que escreve, Charles de Adão Bodeiro, Zé Sugesta, Nem de Tenente, Isoterano, Neto de Seu Antônio Teixeira, Agnelo de Donaricota, dentre outros.
Ao término do referido curso, nosso professor deixou uma questão de Matemática como lembrança de sua passagem por Santa Maria da Vitória. Na ocasião, o mestre fez a seguinte pergunta:
— Que horas são, se, para terminar o dia, faltam dois terços do que já passou?
Ele nos deixou tão somente a resposta e nenhuma dica a mais que pudesse nos ajudar. E partiu. Nunca mais tivemos notícia dele. Também, é verdade, não o procuramos. Naquele tempo não era fácil como hoje. Nem telefone havia na cidade.
Nos dias seguintes, em nossos passeios noturnos pela linda, romântica e acolhedora Praça do Jacaré dos anos primeiros, sempre nos encontrávamos, nós, ex-alunos de Wilson, e questionávamos sobre o problema por ele deixado. Uns nem tentaram, outros, como Agnelo, por exemplo, tentaram e resolveram, inclusive este cronista.
Agnelo de Donaricota, cujo nome é Agnelo Alves do Nascimento, que se autodeclarava goleiro profissional, acabou por incorporar a forma reduzida, Profissi, ao próprio nome, ficando conhecido, nos campos de futebol, como Agnelo Profissi. Amigo de infância e colega ginasiano, Profissi veio a ser um dos mais festejados professores de Matemática de várias gerações de alunos, fato que acabou por homenagear nosso mestre Tutes.
Por outro lado, quantos aos desafios matemáticos propostos, a resolução da historinha das pombas brancas está no final desta crônica. Se você também tentou encontrar a resposta, parabéns. Se não, pelo menos leu meu texto até aqui. Por isso mesmo, meu muito obrigado!
Ainda quanto à questão das pombas, ela me fez lembrar o livro “O homem que calculava”, do romancista brasileiro, nascido na cidade do Rio de Janeiro, Malba Tahan, heterônimo de Júlio César de Mello e Souza, engenheiro civil e professor de Matemática, em que ele narra a história de um árabe, que teria morrido, e deixado de herança para seus três filhos, 35 camelos a serem divididos segundo as frações: 1/2, 1/3 e 1/9. Esta, no entanto, é mais outra bela poranduba matemática.
Em relação à pergunta das horas, deixada pelo professor Wilson, ela me remeteu a determinado professor de curso pré-vestibular, do qual não me lembro o nome, que nos alertou quanto a questões de Matemática com poucos dados, como foi esta, que envolve interpretação textual. As que têm muitos dados, como o problema das pombas, normalmente são menos difíceis. Será mesmo?
Por fim, em ambas inquirições aritméticas, fico jubiloso quanto à beleza da benquista “Filha do Lácio”, nossa maravilhosa Língua Portuguesa, que consegue, mesmo numa ciência exata como Matemática, criar um cenário deveras onírico que, possivelmente, acabará por despertar até o mais retraído ou disperso aluno. Penso eu!
* * *
Agradecimento aos amigos e colegas da Transalvador, Jailson Cerqueira e Alan Lima, professores de Matemática, por confirmarem minhas respostas. E ao também colega e amigo Marcus Figueiredo, que ler meus escritos antes de publicá-los, o que muito me auxilia nas correções. Obrigado a todos!
Redes sociais do autor: