Às vezes, a vida nos surpreende tão imponderavelmente que nem mesmo o mais invulnerado coração pode prever e prevenir-se de algo que não desejaria. Certo casal, aparentemente inabalável, a viver muito bem o seu papel, estava prestes a descobrir que nem todo amor é para sempre.
O relacionamento parecia sedimentado no mais puro amor e, apesar de oscilações normais de todo casal de namorados, ninguém duvidava de que um final feliz inexoravelmente viria. Mas, muitas vezes, tudo é só questão de tempo! E o tempo é o Senhor da Vida.
O (in)esperado acontece: aquele casal separa. Cada um vai para o seu canto, tentando, de alguma forma, recomeçar, superar tristezas, mágoas e, claro, zelar pelas boas recordações deixadas. Os fatos estão aí para confirmar o clichê de que “a vida é um eterno recomeço”.
Passaram-se dias, meses e tudo parecia bem distante e calmo, quando então a vida os deixa frente a frente e amor do passado deu sinais de renascimento. Tiveram uma conversa amável. Depois, entrecortada por instantes de silêncio, questionamentos etc. Por fim, até meio desconexa. No entanto, portaram-se como pessoas adultas e conscientes de que cada um representa para o outro. Claro, o saldo foi bem positivo. Valeu o reencontro, pelo menos ficou flagrante de que uma amizade muito bonita poderia florescer. Há quem não duvida de que amizade é miniamor.
Este reencontro aconteceu num sábado, à noite, de um mês qualquer, de um ano já bem distante. Depois dele, cada um seguiu seu caminho, levando certamente o desejo de tentar de novo. Porém, em nome daquilo a que se chama razão, prometeram, cada um a si mesmo, “que dariam mais um tempo”. E o casal promissor de outrora continuou separado.
O lado pitoresco ou tragicômico que deu motivo a esta historieta aconteceu logo no domingo seguinte. Depois de encontrar-se desperto de um sono tranquilo e reparador, no entanto, ainda muito ensimesmado e distante, a relembrar naturalmente o papo que mantivera na noite passada com sua ex-musa, ele resolveu comprar um jornal numa banca mais próxima, para saber, dentre outros assuntos, das novidades do seu time preferido, o Tricolor Carioca. Estava a fim de espairecer!
Despreocupadamente, viu crônicas esportivas e deu uma espiadela no noticiário político. Sem mais o que fazer, passou a ler o Caderno de Lazer & Informação e se deteve na seção sobre Horóscopo, do Jornal A Tarde, de Salvador. Embora seja assunto pouco atrativo para si, lembrou-se do reencontro do dia anterior com a ex-namorada e, por via das dúvidas, achou prudente conferir as predições sobre o amor.
Ao ler e reler as previsões zodiacais daquele periódico, notou que ali se tratava de algo por demais burlesco, para entretenimento, e não escritos sérios da “astróloga” Madame SulaMita, como ele imaginou. Ainda assim, responsabilizou o destino ou, mais grave ainda, amaldiçoou a fatalidade.
Escritos em hilariante “portunhol”, reproduzo, ipsis litteris, os conselhos funestos do Horuescopo de Madame SulaMita, para o signo de Escorpión (o dele):
Non hay jeito, amiguito. Poña uno disco de Dalva de Oliveira en la radiola, apague la luz e vá curtir su passion. Su única saída és uno copo de viño, uno ombro amigo e el bolero, de los anticos. O uno tango. Argentino. Puedes optar. Solo non puedes esperar el retuemo de su amor. Isto non acontecerá. Mas tanbién puedes optar por su viziño. Non convence. Más consuela.
Para o signo de León (o dela), fazendo as devidas adaptações, visto que o Horuescopo de Madame SulaMita pareceu-me destinado ao público masculino, ele constatou predições ainda mais sombrias:
Mi amigo, olvida este amore que non tien más nadie a ver. Que más tu espieras deste relacionamiento? Que ela vuelte para ti? Puedes desistir e partir para otra. Mi bolita me muestra su mujer en una bella playa, con uno gato de fechar comércio e una tanguita de subir até el valor del cruzado. No bicho, cabrón.
E aí, como justificar uma brincadeira inofensiva de jornal que, parcialmente, revelou-se um fato? Pelo menos, certo é que, para ambos, uma das “previsões” foi certeira e fatalística: “Solo non puedes esperar el retuerno de su amor. Isto non acontecerá”.
E... não aconteceu! Os dias futuros confirmaram o vaticínio da Madame SulaMita.
Finalmente, de quem é a culpa? Do destino? Da fatalidade? Ou, comodamente, diria que são fatalidades do destino? Não importa quais sejam as respostas, elas, decerto, não justificarão os desígnios da sorte. Ou da vida.
Agosto/1988
Finalmente, de quem é a culpa? Do destino? Da fatalidade? Ou, comodamente, diria que são fatalidades do destino? Não importa quais sejam as respostas, elas, decerto, não justificarão os desígnios da sorte. Ou da vida.
Agosto/1988
Referência:
NOVAIS NETO. Flutuando na areia. Edição do autor: Salvador, 1988. 112p, p. 103.
[Valdélio Santos Silva, via WhatsApp]
ResponderExcluirCrônica linda! Texto cativante e a história mais do que adaptável aos muitos e múltiplos acontecimentos envolvendo os casais apaixonados! Gostei muito! Parabéns!
Boa tarde Novais Neto.O texto escrito convida a fazer uma boa reflexão.Parabens.
ResponderExcluirCrônica bacana Novais!
ResponderExcluirSensível, hilária e intrigante.
Acho que quando vivemos a experiência de um grande romance, não adianta tentarmos juntar os laços partidos.
Melhor preservarmos o que ficou das boas lembranças, pra não sermos vítimas das nossas próprias ilusões.
Parabéns meu amigo! Abraço!
Parabéns amigo, belo texto.
ResponderExcluirVindo de você meu amigo não esperava menos. Uma crônica espetacular. Parabéns!
ResponderExcluir[Eusélio Tonhá Santos, via WhatsApp]
ResponderExcluirBom dia, meu amigo! Acho que a crônica decorreu de experiência própria do poeta! Kk
A vida é assim, anos vividos, relacionamentos findos, porém, quando pinta a possibilidade de retorno, inexoravelmente, vem a balança, os prós e os contras!
No seu conto, a madame Sulamita foi quem “bateu o martelo”! Kk
Parabéns pela história revelada!
[João Sindivaldo, Baneb, via WhatsApp]
ResponderExcluirFala Novais.
Mais uma boa crônica, bastante reflexiva e com uma narrativa leve e descontraída. Faz com que o leitor reflita sobre o assunto tratado e questione suas próprias opiniões.
Grande abraço!
[Profa. Karina, Santa Maria da Vitória, via WhatsApp]
ResponderExcluirBom dia, meu amigo! Que crônica espetacular. Muito obrigada por compartilhá-la. Parabéns!
[Alcides da Mata, via WhatsApp]
ResponderExcluirOs crentes em horóscopo e em religião dizem que não existe coincidência, e sim providência..
No caso aí em questão talvez tenha sido providencial, pra desenganar... rsrsrs
[Graça Barbosa, via WhatsApp]
ResponderExcluirGostei muito da crônica, Novais. Achei a narrativa descontraída, leve, prazerosa de ler. Parabéns pelo seu talento.
Gostei muito meu irmão Novaes, a sua crônica é leve e descontraída, é aquela leitura prazerosa que dá vontade de ver o próximo capítulo
ResponderExcluir[Ulisses de Sá, via WhatsApp]
ResponderExcluirBoa noite, Novais. Texto para uma boa reflexão, "voltar ou não voltar", eis a questão!!
Abraço!!!!!