domingo, 11 de dezembro de 2022

Saga das gratuidades sexagenárias

Há cinco anos, isto é, em 2017, mês de outubro, viajei a Santa Maria da Vitória para curtir minhas férias junto aos familiares e amigos. Era início de mês do meu natalício, mês que completei 60 anos no dia 24, por conseguinte, um mundo de gratuidades prometia descortinar-se. Belas expectativas eu as alimentei.

Durante as férias, tudo ocorreu sem anormalidades, nos conformes, como costumamos dizer. No meu aniversário, não houve festa, o que é de costume, apenas um bolo na casa dos meus pais, saboreamos. Por outro lado, desde quando comecei a frequentar as redes sociais, publico, a partir dos meus 50 anos, uma poesia, uma trova, coisa do gênero, para festejar a data.

Quanto a escrever algo, registrar o momento, faço isso desde os meus vinte anos de idade, desde que “vintei”. E dentre os textos redigidos antes das redes sociais, tenho por um deles uma predileção especial. É uma crônica que hoje está neste blog, intitulada “O verbo que se fez carne, que se fez verbo”, de 1997 (vide Referências), quando passei a conjugar o verbo quarentar, isto é, quando fiz 40 anos.

Forante isso, como dizemos no linguajar santa-mariense, nada mais do que ficar alegre ao receber as felicitações, sempre muito carinhosas. As férias, por outro lado, passaram rápido, começava o mês de novembro daquele ano de 2017, e eu voltei a Salvador já pensando desfrutar do meu primeiro passe livre no Metrô Estação Rodoviária, devidos aos maiores de 60 anos, dentre os quais eu me incluía.

Cheguei cedo no terminal, por volta das sete horas da manhã, e me dirigi alegremente para o Metrô com apenas duas mochilas, se me recordo bem. Ao adentrar as instalações daquela estação metropolitana, fui recepcionado por um inoportuno e indigesto aviso com mais ou menos os seguintes dizeres: “Conforme Decreto de nº. 17.965, de 6/10/2017, do Governo do Estado da Bahia, a partir de 16/10/2017, segunda-feira, somente idosos acima de 65 anos terão acesso livre ao metrô. Salvador, 11/10/2017”.

Estarrecido diante daquele insosso e indesejável cartaz, o que me restou foi pagar minha passagem e esperar pelos meus 65 anos. Vale registrar que a primeira linha do Metrô foi inaugurada oficialmente em 11/6/2014, depois de 14 anos em obra. Passou por um período de gratuidade geral, logo em seguida, para alguns segmentos, dentre eles, idosos a partir de 60 anos, no qual eu iria me incluir. Quanto aos ônibus urbanos, os maiores de 65 anos já desfrutavam do passe livre.

Finalmente, após aparentes cinco longos anos, chegou outubro de 2022, quando completei os tão esperados 65 anos. Fiz, como em anos anteriores, uma trova comemorativa, publicada em minhas redes sociais. Assim, também, como naquele outubro de 2017, eu não estava em Salvador. Desta vez, fui comemorar meu natalício em Laguna (SC), cidade da “Heroína dos dois mundos” (Brasil e Itália), Anita Garibaldi e do Marco do Tratado de Tordesilhas, com minha filha Lara Novais e meu genro Thiago Palácio, onde eles moram.

Marco do Tratado de Tordesilhas e monumento de Anita Garibaldi. Laguna (SC), 2022


Lara Novais, Novais Neto e Thiago Palácio. Laguna (SC), 24/10/2022.
De volta a Salvador, cheguei no dia 30/10/2022, no período matutino, um domingo festivo, eleitoral, dia de votação do segundo turno. Ao tomar o metrô na Estação Aeroporto, observei que estava tudo liberado, passagem livre para todo mundo. Desse modo, para mim não valeu, não consegui “inaugurar” minha gratuidade como gostaria que fosse.

Durante a semana, ao pegar um ônibus, apresentei no validador meu smart card de vale transporte especial, por ser agente de trânsito, e o aparelho recusou, emitindo a seguinte mensagem: “cartão inválido”. Nada entendi e pedi explicação ao cobrador daquele coletivo, de apelido Vando, que educadamente me informou que o beneficiário ao completar 65 anos, o cartão torna-se inválido, automaticamente, e a cédula de identidade é que passa a valer.

Ainda na mesma semana, fui à Estação Brotas, do Metrô, e expliquei ao rapaz de prenome Juarez, que estava a liberar o acesso que, como seria minha primeira gratuidade naquela modalidade de transporte, gostaria de registrar em foto, no que fui gentilmente atendido. Antes, porém, de chegar àquela estação, fiquei a amiudar pensamentos mil: “e se esses caras resolveram aumentar a idade para 75 anos, numa espécie de ‘gratuidade compulsória’, como acontece com aposentadoria de servidor público aos 75 anos, vai ser o decepção total”. Mas não foi. Tudo desta vez ocorreu exatamente conforme planejado. Felizmente, iniciei o desfrute do passe livre metropolitano.

Cobrador Vando e Novais Neto. Foto: Novais Neto, 2022.

Novais Neto e Agente Juarez. Foto: Novais Neto, 2022.
Referências

COM INTEGRAÇÃO, idosos com menos de 65 anos perdem acesso gratuito ao metrô de Salvador. Disponível em: <https://g1.globo.com/bahia/noticia/com-integracao-idosos-com-menos-de-65-anos-perdem-acesso-gratuito-ao-metro-de-salvador.ghtml>. Acesso em: 9 dez. 2022.

DECRETO Nº 17.965 DE 06 DE OUTUBRO DE 2017. Disponível em: <Legislação | CCR Metrô Bahia (ccrmetrobahia.com.br)>. Acesso em: 9 dez. 2022.

NOVAIS NETO. O verbo que se fez carne, que se fez verbo. Disponível em: <https://www.novaisneto.com/2019/10/o-verbo-que-se-fez-carne-que-se-fez.html>. Acesso em: 9 dez. 2022.

Redes sociais do autor:

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sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Na sala de aula - A história de Chico Muleta

Os anos já se vão bem distantes, corria a década de 1970, quando este que escreve ingressou no Curso Ginasial, precisamente em 1971, depois de fazer o temido Exame de Admissão, uma espécie de vestibular do Curso Primário. Nesta época, também, só se falava no Mobral, o Movimento Brasileiro de Alfabetização, e no Ensino Supletivo, algo semelhante ao atual EJA (Educação de Jovens e Adultos).

Normalmente, as turmas desses cursos funcionavam à noite e eram formadas de alunos oriundos da zona rural, também citadinos, trabalhadores braçais, empregadas domésticas, muitos idosos, aposentados ou não, todos com objetivos comuns: aprender a ler, escrever e fazer as quatro operações matemáticas, almejando tirar o título de eleitor e, alguns, seguir nos estudos, uma vez que, certamente, não tiveram oportunidade devido a seus afazeres e/ou mesmo a falta de escolas.

Francisco José era um desses alunos, vindo da roça, já sabia ler e escrever, que aprendeu no Mobral, e pretendia seguir estudando, estava matriculado em uma turma do Supletivo do Primeiro Grau. Estudante interessado e participativo, sentava nas primeiras filas e gozava do privilégio de ser primo do professor de Ciências, Ramon Mattos, que também lecionava nas turmas iniciais do Ginásio da cidade. Ali, ele o fazia por diletantismo e gratuitamente, pelo simples prazer de ajudar.

Em uma das aulas do professor Mattos, muito querido da turma, gostava de brincar com seus alunos, ele falava sobre a composição da matéria, e não se apartava do seu livro predileto, Iniciação Científica – Ciências Físicas e Biológicas, de Marques e Sartori, tinha os três volumes dos autores.

Foto: Novais Neto. Acervo do autor.
– Toda matéria é formada de pequeninas unidades que chamamos átomo. Estes átomos se juntam e formam as moléculas, que se reúnem novamente, e vão constituir as mais variadas matérias. O átomo é algo bem pequeno, inimaginável até, só visto através de potentes microscópios eletrônicos.

– P’sor, ele é assim, vamos dizer, do tamanho de uma semente de milho alpiste? – quis saber Francisco.

– Oxente, Francisco, é bem menor ainda. Imagine a cabeça de um alfinete. Divida-o em dez partes, por exemplo. Pegue uma destas partes. É difícil, não é? Só com uma lente de aumento daria para ver. Pois bem, a molécula, que é formada de átomos, é algo ainda menor. Não dá pra ver mesmo!

— Mas, home quá! Então essa tal de molécula nem existe. É pura carga d’água só mesmo pra entupir o miolo da gente com tanta bestajada – contestou o incrédulo Francisco.

Molécula da água. Foto: Reprodução / Internet (vide link).
– Existe, Francisco. Os cientistas já conseguiram até provar que o átomo (que significa não divisível) é constituído, na verdade, de partículas bem menores ainda chamadas prótons, nêutrons e elétrons. Vá por mim, Francisco. Os átomos, as moléculas existem e estão aí por toda parte. Eles são uns fanisquinhos de nada mesmo, é verdade, mas existem, sim, embora não sejam vistos a olho nu.

— Oxente, p’sor, olho nu?! E olho veste roupa?! — para delírio de seus colegas.

— Olho nu, Francisco, é uma maneira de dizer. É quando a gente observa uma coisa sem precisar de auxílio de algum instrumento para aumentar o tamanho dela, assim, por exemplo: uma formiga, por menor que seja, a gente consegue ver, mas se for menor que uma formiga, aí já fica difícil, né. Então, pegamos uma lente de aumento, dessas que os meninos colocam contra a luz do Sol, para acender baga de cigarro, queimar papel, e aí conseguimos ver coisas bem miúdas. O microscópio eletrônico, Francisco, aumenta o tamanho dos objetos milhões de vezes, e aí se pode ver até mesmo um átomo — concluiu enfaticamente o competente mestre.

Francisco acenou positivamente com a cabeça, dando a ver que havia entendido. Se verdadeiramente eles se convenceu disso, não é algo tão certo assim. E o dedicado professor continuou a falar de molécula: molécula para cá, molécula para acolá e Francisco “viajava no mundo da Lua”. Lá pelas tantas, parece que houve um reboliço na cachimônia do pobre aluno e o simplório saiu-se com esta:

– Ô, p’sor, essa tal de molécula é aquele negócio que aleijado bota debaixo do sovaco?

– Claro que não, meu querido primo Francisco! Aquilo é muleta, algo completamente diferente, mas tem uma coisa em comum entre ambas: ela também é constituída por moléculas. Entendeu, meu amado mancebo? — finalizou o mestre, fazendo enorme esforço para conter o riso insistente.

– E eu sei lá, p'sor! Agora foi que disgramou tudo no meu coco, num entendi foi patavina de nada – indignou-se o esforçado Francisco José, que passou doravante a ser chamado de Chico Muleta, por seus colegas e, depois, por toda cidade, mas ele, Francisco José, nem se importava com isso. Sorria apenas!

Referências:

MARQUES, João Queiroz; SARTORI, José Antônio. Iniciação científica: ciências físicas e biológicas, v. 3, 7. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1971.

MOLÉCULA DA ÁGUA. Disponível em: <https://pt-static.z-dn.net/files/de8/638ef361867198285fcf9664419458c3.png>. Acesso em: 12 out. 2022.

sábado, 1 de outubro de 2022

Corujice explícita

Atenção para o nome: Lara Rodrigues Santos de Novais. É bom gravar, principalmente, o final “de Novais”. Este é o nome completo da protagonista desta crônica. Garotinha de sorriso fácil, entre 2 e 3 anos de idade, universo vocabular incipiente, sui generis e recheado de lambdacismos. Atualmente, ela está com 26 anos.

Segundo o filólogo Napoleão Mendes de Almeida, lambdacismo é a troca, na pronúncia, do “r” pelo “l”, assim como faz Cebolinha, de Maurício de Sousa. O contrário é o rotacismo, como, por exemplo, em vez de a pessoa dizer Cláudio e Clóvis, ela diz Cráudio e Cróvis.

Explicações à parte, aos sábados, quase sempre estamos lá, na casa dos avós maternos de Lara: Seu Naeth e Dona Dedé. Numa dessas idas, encontramos Seu Naeth afundado num sofá, óculos na ponta do nariz, quase a cair, em frente a uma televisão com o volume nas alturas, rodeado de revistas e jornais amassados que, ao ver a netinha, vai logo exigindo:

– Dê cá a bênção, menina véia.

Ela, toda cheia de dengo, aproxima-se, estira o braço e, timidamente...

– Bença, vô.

– Deus te abençoe, menina véia.

Só que não para por aí. Seu Naeth começa, então, a explorar o pequeno vocabulário da netinha, partindo para uma sessão de “atasanamento”:

– Como é o seu nome, menina véia?

A pequena Lara, no meio da sala, cercada de badulaques e cinco bonecas Barbie, de cores e/ou cabelos diferentes, de procedências e qualidades duvidosas, certamente introduzidas no país através do Paraguai pelos “executivos de fronteira”, não lhe dá a mínima atenção, já que seu mundo de fadas e duendes é muito mais interessante. Mesmo assim, ela responde:

Lara Novais, Naeth Santos, Márcia Gomes e Keully Pêpe. Fotos: Novais Neto, déc. 1990

– Num sei, não, vô.

– Como não sabe, menina véia. Uma menina desse tamanho não sabe o nome...

– Num sei, não – repete ela mais uma vez, já a perder a paciência.

Mas ele é insistente. E lá pela quarta ou quinta vez, repete a pergunta:

– Co-mo é seu no-me, me-ni-na véi-a? – falando agora pausadamente.

– Lala Lodligues Santos “de Meu Pai”. E plonto – viu onde foi para o “de Novais”?

É sempre assim: inventa uma palavra, distorce outra, engancha em certas pronúncias e vai construindo o seu dicionário mental. Quantos às bonecas Barbies, os nomes seguiam as vogais do nosso Alfabeto: Zazá, Zezé, Zizi, Zozó e Zuzu. Dessa forma, ficou bem mais fácil memorizar essas letras.

Certa ocasião, quando retornei de Santa Maria da Vitória, trouxe-lhe uma ruma de novidades, principalmente, frutas silvestres como pitomba, cagaita, procopa, grão de galo, bananinha de macaco, e pedi a Márcia, a babá, que lavasse um umbu e lhe desse, para que ela pudesse experimentar. E assim foi feito.

Percebi que Lara gostou da novidade. Pedi novamente a Márcia que lhe oferecesse mais alguns umbus.

– Toma, Lara, umbu – ofertou-lhe a babá, com todo carinho.

– Um bu, não, Márcia. Você me deu tlêis bus. É assim, Márcia: um bu, dois bus, tleis bus – ensina professorinha com a lógica do seu entendimento.

Da mesma forma ela analisa as palavras “um bigo”, “dois bigos”, “três bigos”. “Um berto”, “dois bertos”, “três bertos”... e assim por diante.

No trajeto da escola, no entanto, é que surgem as novidades. Curtir esses momentos é algo único na vida de quem teve o privilégio de ver crescer essas pequeninas criaturas. É formidável sentirmos como elas percebem e procuram entender o mundo dos adultos. O seu mundo é simples, belo. E mágico, sobretudo.

Ao trazer-lhe da pré-escola, certa feita, ela virou-se para mim e disse que iria me contar um segredo. Naturalmente, fiquei atento para ouvir a confissão de Lara. Antes, porém, ela me fez um solene pedido... Aliás, não vou revelar o pedido agora, creio que perderá a graça. Vamos adiante.

Todos nós, é provável, já ouvimos perguntas do tipo: “Você sabe qual é o cúmulo da força?”. “O cúmulo da força é dobrar uma rua e quebrar uma esquina”, responderá o indagador. “E qual é o cúmulo da lentidão?”. “O cúmulo da lentidão é disputar uma corrida sozinho e chegar em segundo lugar”. Desse modo, existem o cúmulo da estupidez; o cúmulo da rapidez; o cúmulo da agonia etc. Mas isso fica para um momento oportuno.

De volta ao segredo, Lara apresenta-me um novo “cúmulo”, o “cúmulo da confidência” ou “cúmulo do segredo”. Isso aconteceu quando ela me pôs no incômodo lugar de algum padre, que não me foi possível identificá-lo, que teria proferido esta frase em que ele nos garante: “Tudo aquilo que me é revelado em confissão, eu sei menos do que aquele que nada soube”. Ela, então, fitou-me os olhos e, de forma cerimoniosa e solene, fez o seu pedido:

– Meu pai, eu vou contar um segredo pro senhor, mas, por favor, meu pai, não conte esse segredo pra ninguém! Nem pra mim. O senhor entendeu? – e Lara confidenciou-me o segredo dos segredos.

Você quer saber qual foi o segredo? Perdoe-me. Sinceramente, eu não me lembro de nada do que me foi dito. Tornei-me, imperativamente, um extemporâneo vigário.

*   *   *

Agradecimento especial ao colega e amigo Luís Cláudio de Lima Pinto, por lembrar-me que seu nome, vez por outra, é vítima de rotacismo, por isso, avisa: “Olha, meu nome é Cláudio e não Cráudio, viu?!”.

sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Na sala de aula - "Eu vi ela"

Finalzinho de ano letivo. A professora de Português chegou à sala de aula com ar meio cansado, já ansiando por merecidas férias, mas ela estava ali, no batente, caxiasmente. Pegou o diário de classe e começou fazer a chamada, numericamente, afinal, àquela altura do período escolar, todos já sabiam (ou deviam saber) de cor o número correspondente ao seu nome:

— Número 1.

— Presente, professora — respondeu Abraão, timidamente, lá do seu cantinho.

— Número 2.

— Iam present, my teacher — esnobou Ana Helena, fora de hora, o seu inglês carregado de sotaque de nordestina, baiana, santa-mariense.

— Número 3.

— Tô aqui, p’sssooora — fez o mesmo Antônio Serpa, a distribuir simpatia com seu sorriso largo.

Sem mais nem menos, a mestra parou de fazer a chamada. Deu uma olhadela na sala e perguntou:

— Está faltando mais alguém, hoje, além de Maria Pereira, meus alunos?

— Só ela mesmo, p’sora. Eu vi ela, agorinha mesmo, lá no Jardim Jacaré — confirmou Deinha.

— “Eu vi ela” o que, seu inguinorante, vai estudar Português. Viela é uma rua estreita, assim que nem aquela que tem dois nomes, a Rua dos Doidos, onde mora o professor Jairo Rodrigues. O certo é “eu a vi ela”, entendeu? Vai estudar mais — corrigiu Binha, o senhor da situação.

Rua Marechal Deodoro e Rua Padre Oton Vieira Lima, mais conhecidas como Rua dos Doidos.
— Ô retrinca, agora eu vi! Agora foi que disgramou tudo, meu Senhor Bom Jesus da Lapa! O erro ficou foi mais maior ainda, sua burralidade — deu o troco Deinha, sem pensar duas vezes e sem poupar seu repertório de palavras incomuns, quase um dialeto.

Àquela altura, perplexa, atônita, a pobre professorinha nem sabia mais o que estava a fazer ali com tanta agressão à sua matéria. A mestra, então, aproveitou a oportunidade para “soltar” o verbo com vontade: condenou as gírias, dizendo que se tratava de pobreza de vocabulário dos jovens, que gíria só enfeava nossa bonita Língua Portuguesa etc. “Mandou ver”, como se diz no mundo das gírias, e concluiu seu fervoroso e cáustico discurso com esta preciosidade:

— Olha, minha gente, falar gíria “não tá com nada”! Vamos estudar, ler um bom livro que é bem melhor! 
— finalizou enfaticamente, o que me fez lembrar a música “Mexericos da Candinha”, composição de Roberto e Erasmo Carlos, quando em determinado trecho eles utilizam gíria, o verbo maneirar, para se referirem a Candinha, maior fofoqueira da TV e do rádio brasileiros dos anos 1960:

— Ela diz que falo gíria / e que é preciso maneirar — verbo expressar gíria.

Os alunos, sem nada entenderem, um olhava para a cara do outro com riso reprimido, mas em silêncio permaneceram, afinal, estava bem claro para eles que a mestra se contradisse, enganou-se, porque a expressão “não tá com nada” é, sem dúvida alguma, uma graciosa gíria, um coloquialismo.

Deinha, no entanto, tentando a todo custo dominar o riso, não se conteve e fez esta hilária confissão, para deixar em pânico ainda mais a sua dedicada mestra:

— P’sora, pra falar a verdade, eu sou bom mesmo é ni Português, mas minha di-fi-cu-li-da-de é só ni Aritmética, principalmente, essa tal de conta de dividir de três letras! Ô continha difícil, minha gente! 
— referindo-se a divisões cujo divisor tenha três algarismos ou letras, como ele diz.

sexta-feira, 5 de agosto de 2022

A menina e o retratista lambe-lambe


Era uma tarde como tantas outras que ali tenho ficado, sentado, após o almoço. De bobeira, diriam alguns. Fazendo o quilo, outros diriam. Não importa. Descansando... Viajando nas imagens de uma praça soteropolitana bem movimentada e histórica.

Este “ali” a que me refiro é a Praça da Inglaterra, no Comércio, em Salvador. Sentado num banco que contorna o monumento da imponente estátua de bronze do tribuno J. J. Seabra, estava eu, bem defronte, em postura iogue. Do meu lado direito, a uns vinte metros, o McDonald’s. Bem mais próximo, também sentado, estava um senhor portando uma pasta 007, lendo um jornal, a caracterizar-se – mesmo sem querer – as “ilustres figuras” que naquelas imediações dão plantão diário, os tão procurados agiotas.

Retratista Lambe-Lambe. Foto: Reprodução / Internet (vide link)
À esquerda, o prédio da Casa Forte, antiga sede da caderneta de poupança do extinto Banco Econômico, ASPEB, aquela da abelhinha. Ainda desse lado, estava postado um daqueles profissionais inconfundíveis, memoráveis, um fotógrafo lambe-lambe. Além dele, um casal de namorados trocando carícias, promessas (provavelmente), confidências mil, “na deles”, indiferente ao burburinho, aos disse me disse daquele movimentado logradouro.

À propósito desses profissionais de escol, magistrais, em Santa Maria da Vitória havia alguns deles, tais quais Jesuíno, Expedito e Pombinho, estes, também “lambe-lambistas”, e outros retratistas merecem registro como Vá de Tenente, João Fulosoro, Randolfo, Neném, Carlito e Tião de Lita (Tiãozinho Roupa Limpa). Hermes Novais, Zim Bacaiau e Zé de Maria são bem mais recentes. Tive o privilégio de ter meus primeiros retratos feitos provavelmente por um dos três primeiros aqui citados, como também algumas fotos 3 por 4 feitas por profissionais de Salvador.

Novais Neto, Jandira e Nena (Janilza). Acervo pessoal.
De volta ao meu observatório, a Praça da Inglaterra, enquanto eu, a pensar, continuei observando aquele vaivém de pessoas e de carros, aquele burburinho, lá pelos idos dos anos 1980. Naquela tresloucura toda, viam-se garotos limpando para-brisas de automóveis, vendedores de picolés Capelinha, até um marreteiro com uma gaiola abarrotada de aves trepadeiras dentro de uma sacola do Paraguai mercava impune e criminosamente seus troféus.

Eis que, da tresloucada multidão, emerge um brotinho de seus presumíveis 15, 16 anos de idade. Uma galeguinha, poderiam qualificar meus conterrâneos santa-marienses. Sarará, diria alguém não adepto a desnecessários eufemismos. Uma loirinha esperta, sim! Confortavelmente merecia tal adjetivo.

A loirinha aproxima-se do fotógrafo, pergunta o que não deu para ouvir, certamente a respeito de preço e prazo de entrega de um retrato 3x4. Indagações de quem, geralmente, pergunta por perguntar e o que quer mesmo é submeter-se a mais um teste de fotogenia, a conciliar necessidade, urgência e preço acessível – a perfeita tríplice fusão.

A jovem então se sentou num desconfortável banquinho de madeira. Tocou os cabelos na tentativa de penteá-los com a ponta dos dedos. Olhou para mim e sorriu despretensiosamente. Se eu estivesse mais próximo dela, pediria para deixar os cabelos como estavam: encaracolados, em desalinho, bonitos, a dispensar o desnecessário pente. Mas não, preferiu atender a seus conceitos de beleza, evidentemente, indispensáveis para ela.

Desse modo, ela tirou um pente de uma bolsa. Meio sem graça, no entanto, com um sorriso doce e sem razão no canto da boca, tentou penteá-los. Deu um caprichada final nos cabelos com ambas as mãos, olhou mais uma vez para este “discreto” assistente, lindamente sorriu e pousou fo-to-gra-fi-ca-men-te.

Enquanto minha observada estava se preparando, o retratista, aliás, o “lambe-lambista”, cheio de intimidades com sua parafernália, fazia mil e uma peripécias com seu equipamento fotográfico sustentado num tripé. Enfiava a cabeça, os braços naquele estranho paletó preto acinzentado que, de tão surrado, perdeu – há muito tempo – a cor original.

Finalmente prontos, conversaram qualquer coisa e sorriram. Ela se esforçou em ficar séria, rosto sereno, não carrancudo. O retratista, por último, ainda mexeu no instrumento fotográfico, voltou a arrumar direitinho a cabeça daquele modelito e disparou, decerto, o tradicional grito de alerta: “olha o passarinho”. Pronto, agora, só restava esperar pelo resultado do clique. E, uma vez mais, a linda menina sorriu, tentou ficar mais à vontade, afinal, dali a pouco constataria que “contra ‘foto’ não há argumento”, veria sua carinha estampada em papel fotográfico.

Outra vez recomeçaram os malabarismos daquele “lambe-lambista”: máquina, emulsão, solventes, reveladores, papel fotográfico, positivo virando negativo, negativo sendo copiado e, por fim, eis o retrato 3 por 4, pronto, inconteste, prova definitiva de que ambos procuraram pelo melhor resultado: a menina e retratista.

Nesse ínterim, ainda aproximou um daqueles garotos de rua, olhou a foto, procurou a top model, sorriu e foi-se embora, enigmaticamente. Pude notar que a loirinha ficou meio apreensiva, mas continuou sentada, impassível. Chegou outro menino, esse vendendo picolé Capelinha, e ela nem lhe deu atenção, estava mesmo era ansiosa para ver seu rostinho jovial.

Ela não se conteve, no entanto, levantou-se (a esta altura os retratos estavam sendo secados com auxílio de uma flanela), pediu para olhá-los, balançou discretamente a cabeça e deixou no ar possivelmente frase do tipo: “É... tão boas”.

Minha jovem modelo ainda teve que esperar até que as fotos fossem recortadas e colocadas num porta-retratos plástico. Enquanto isso, ela abriu novamente a bolsa, pegou uns trocados, pagou, olhou mais uma vez em minha direção e rapidamente misturou-se à multidão da Praça da Inglaterra.

Confesso, sem dúvida alguma, que tive vontade de ver a ambos: ela, de perto, primeiramente, depois as fotos. Fiquei no desejo apenas. Faltou-me decisão ou até uma boa dose de curiosidade a ser posta em prática.

E agora, cronista-bancário, o tempo passou muito célere que nem foi sentido? Já era hora, portanto, de voltar (atrasado) ao trabalho no Banco do Estado da Bahia, o extinto Baneb, e enfrentar as últimas quatro horas daquele dia menos comum, daquela tarde que se fez singular, única, sem dúvida.

Agradecimento:

Agradecimento especial ao conterrâneo e amigo Antônio Washington Simões, a quem quase sempre recorro para refrescar lembranças fugidias referentes a acontecimentos em nossa Santa Maria da Vitória, Bahia, Brasil.

Referências:

FOTO LAMBE-LAMBE OU OITI: ascensão e declínio na Aracaju de outrora. Disponível em: <https://www.ufs.br/conteudo/68462-foto-lambe-lambe-ou-oiti-ascensao-e-declinio-na-aracaju-de-outrora>. Acesso em: 5 ago. 2023.

sexta-feira, 8 de julho de 2022

Na sala de aula - Os corações da minhoca

Aula de Biologia, mais precisamente, sobre Zoologia. O professor, voz anasalada, falava sobre o aparelho circulatório dos animais inferiores, assunto que – surpreendentemente – acabou por prender a atenção de seus diletos e estudiosos pupilos.

Alunos da quarta série ginasial. Os ex-meninos, rapazelhos compenetrados, vestiam calça cáqui de tergal (normalmente boca de sino) e camisa da mesma cor, com debruns no ombro com quatro divisas indicativas de último ano de ginásio, além de surrados congas sete-vidas na cor azul-marinho, um perigo constante para as pobres narinas.

Alunos da 4ª Série Ginasial do Centro Educacional Santamariense (sic) sentados no
Estaleiro Guarany, Tamarindeiro de Cima, 1974. Acervo: Novais Neto.
Já as ex-meninas, moçoilas naturalmente elegantes e belas (não podiam usar maquiagem), trajavam blusa branca e saia plissada azul, também de tergal, convite a que ventos mais afoitos e desavergonhados alimentassem a fantasia erótica de muitos donzelões. Uma beleza, verdadeiramente!

O mestre, competente, paciência de Jó, comedido, de cativante jeito bonachão, reconhecido e respeitado orador político e também professor de História Geral, descrevia, sem nenhuma pressa, o aparelho circulatório de um anelídeo, a minhoca, animalzinho asqueroso para muitos:

– Bem, minha gente [“rente” é a pronúncia mais aproximada], a minhoca tem um aparelho circulatório ainda primitivo. Ela tem de 2 a 15 pares de coração. Isto é, pode ter 15 aurículas e 15 ventrículos rudimentares distribuídos longitudinalmente no seu corpo cilíndrico.

Minhoca. Foto: Reprodução / Internet (vide referências).
A turma ficou intrigada com aquele monte de corações num animalzinho até nojento que, para muitos, só servia mesmo de isca para pescar piabão, dourado-cachorro, guelete e maria-zoião nas outrora límpidas águas do majestoso Rio Corrente lá pelos meados da década de 1970. E mais nada!

“Pra que tanto coração num troço desse, professor?” Esta certamente era a pergunta que muitos desejavam fazer. Optaram, entretanto, pelo silêncio para ver o desenrolar de tão interessante assunto.

O professor, a perceber interrogações passearem na cachimônia de muitos de seus alunos, antecipou-se e inquiriu a todos num tom claramente ameaçador.

– Não entenderam o que eu disse, não? Têm alguma dúvida? Se tiverem, podem perguntar, agora, porque este assunto eu vou botar na prova. Não se enganem, não! – foi quando um dos alunos decidiu manifestar-se:

– Ô, fessor, se essa tal de minhoca que o senhor tá falando aí tem 15 pares de coração, ela tem, portanto, 30 corações. Neste caso, o bicho homem pode amar 31 vezes. Não pode?

– Não entendi sua conta, meu bichinho, explique-se melhor para a turma – ordenou o lente.

– Segundo os poetas, doutor Leônidas, é o coração que ama. O homem já tem um coração e uma mi-nho-ca – palavra dita sílaba por sílaba com aparente receio e olhos esbugalhados – e continuou:

– Se a gente somar tudo, vai dar 31 corações. O homem então pode amar 31 vezes – e cinicamente esboçou pálido sorriso, logicamente, a esperar por resposta nada boa.

Na sala de aula, repleta, surgiram alguns risinhos esparsos e contidos, aqui, acolá, mãos à boca de algumas recatadas donzelas, à espera de enérgica e contundente repreensão do mestre ao imprudente e despudico aluno. No entanto, o que se ouviu foi um discurso amigável e não repressivo de doutor Leônidas, como o tratávamos, que de alguma forma premiou a criativa imaginação do seu pupilo:

– É, meu bichinho, os poetas estão sempre com a razão. E por falar em poeta, esta divina palavra de origem grega quer dizer: “aquele que faz, cria, compõe”. O mundo, meus filhos, seria muito triste sem a criatividade dos poetas! Você está certíssimo, comandante! – e continuou a aula, sem balbúrdia.

Referências:

MINHOCA (foto). Disponível em: <https://thumbs.dreamstime.com/b/minhoca-no-solo-62115557.jpg>. Acesso em: 19 mar. 2021.

sábado, 4 de junho de 2022

"Um cavalo pela frente"

A resposta branda desvia o furor, mas a palavra dura suscita a ira. (Provérbios 15:1).

Aquele sábado seria meu dia de folga, mas uma colega, por alguma razão, não poderia cumprir seu plantão e eu me comprometi a substituí-la. Saí bem cedo de casa. Como moro relativamente perto do local de trabalho, decidi ir andando, já que o dia amanheceu bonito e convidativo.

No meu itinerário, estava Dique do Tororó, um verdadeiro parnaso com seu magistral espelho d’água a refletir as frondosas árvores que o circundam. E, logicamente, aproveitaria a ocasião para fazer minha “viagem” mental, “escrever” minhas crônicas e contos, declamar baixinho meus versos. E foi o que fiz.

Já no local da minha jornada, no Setor de Liberação de Veículos Apreendidos, da Transalvador, às 9 horas, o atendimento ao público foi iniciado. Eu já estava ali a postos em um dos guichês, quando entra na sala um homem acompanhado de uma mulher, ambos bem vestidos, cabelos ainda úmidos, a exalarem olores de seus perfumes que se espargiram agradavelmente em todo o ambiente.

O senhor dirigiu-se a minha bancada. Cumprimentei-o, e ele, sem ao menos olhar para mim, respondeu-me secamente. E, de forma tosca, praticamente atirou sobre o balcão o Termo de Apreensão de Veículo. Como é de rotina neste tipo de atendimento, lhe pedi o documento do veículo e a carteira de habilitação, quando ouvi estes sonoros e inesperados questionamentos como resposta:

— O senhor é analfabeto? Não sabe ler, não?

Inspirei profundamente, baixei ligeiramente a cabeça e, com bastante calma, arranjada não sei onde, disse-lhe de maneira pausada:

— Cidadão, o senhor é a primeira pessoa que estou atendendo hoje. O plantão era de uma colega, que não pôde vir. O senhor não tem nada a ver com isso. Mas é tão ruim que o dia da gente comece dessa forma. Portanto, eu lhe peço o documento do veículo e a sua habilitação, por favor.

— O documento do carro vocês prenderam também.

Nisso, ele estava com razão. Por descuido meu, nem observei que o agente lavrador do termo de apreensão havia anotado que o documento do veiculo estava anexo, isto é, fora recolhido. Fui então ao armário onde ficam tais documentos, peguei o processo e retornei calmamente ao atendimento, quando aquele cidadão voltou a manifestar-se, agora, de maneira um tanto educada, a demonstrar, talvez, arrependimento pelas palavras ácidas a mim dirigidas:

— O senhor me desculpe. O senhor não tem nada com isso. Se meu carro foi preso, a culpa foi exclusivamente minha, que deixei de pagar o licenciamento. E já pensou, num primeiro atendimento do dia, o senhor receber de cara um cavalo pela frente?

Ilustração: Adriel Santos. 2022.
— Não. Não é bem assim que penso. O senhor não é um cavalo. Se eu também estivesse no seu lugar, sem dúvida, estaria chateado, talvez só não agisse dessa forma. Mas tudo bem, tudo superado, tudo zerado — retruquei e ele continuou:

— Antes de tirar meu carro, eu gostaria de ver primeiro como ele está. Posso?


— Claro que sim.

Como também é de rotina, eu poderia dar-lhe uma autorização para que ele a apresentasse ao agente responsável pelo pátio onde ficam os veículos recolhidos, a fim de que pudesse ver seu automóvel. Não o fiz. Preferi eu mesmo o acompanhar. Lá chegando, ele olhou detalhadamente seu veículo e voltamos ao atendimento, onde emiti um boleto bancário para pagamento de remoção e estadia.

Ele saiu para pagar. Tempos depois, retornou e fui novamente ao pátio com ele para liberar o automóvel. No trajeto, novamente pediu-me mil desculpas e disse que esse não é seu comportamento habitual. Talvez tenha sido reflexo de extenuante jornada de trabalho de que é vítima, visto ser ele um dos engenheiros civis de empreiteiras, responsável pela construção da Arena Fonte Nova, que têm prazos exíguos para sua conclusão. E eu procurei de alguma forma entendê-lo.

A vida nos apresenta múltiplos momentos como este para testar de alguma forma nossa paciência. Se devolvermos com pedra as pedradas recebidas, certamente não será a melhor opção, porque, se assim agirmos, isso só nos renderá ressentimentos, mágoas e arrependimentos. 

Se este autor, por outro lado, agisse de modo diverso, é certo que esta crônica inexistiria e, sabe-se lá, ela nem serviria, numa eventualidade, de reflexão para quem da mesma tenha tomado conhecimento e resolvesse pô-la em prática. Ademais, e finalmente, quase sempre prevalecerá para mim o ensinamento da sabedoria e da sensatez expressas na memorável frase do festejado poeta maranhense Ferreira Gullar: “É melhor ser feliz do que ter razão”.

sexta-feira, 6 de maio de 2022

Fragmentos de uma vida real

Percorrer os caminhos da vida não é fácil. Mesmo para aqueles que por ventura tenham nascido em berço de ouro, paralelamente à existência, andam os percalços, os descaminhos, numa tentativa eterna de testar nossas sensibilidades e improvisações.

A pessoa descrita a seguir é um homem não menos comum. Amigo dos mais leais. Batalhador incansável, dono de extremo senso de humanismo. E, apesar de todos estes atributos, nunca esteve imune aos tropeços existenciais que, inesperada e periodicamente, transpunham-lhe a senda.

Estou falando de Arouca, um ser humano acima de qualquer comparação. Sempre gostou de trabalhar. E um dos seus primeiros afazeres, ainda domésticos, foi ajudar a mãe a raspar patas de caranguejo. Isso lhe rendia alguns níqueis suficientes para beber o refrigerante predileto, Fratelli Vita, assistir a filmes de Mazzaropi, Tarzã, Zorro e Tonto e, ainda assim, economizar uns trocados.

Caranguejo. Foto: Reprodução / Internet (vide Referências).
Uma de suas primeiras e reais incursões no mundo dos negócios foi plantar cebolinha e coentrinho no quintal de casa. A horta, numa ocasião, estava lindíssima, cheia de viçosas plantinhas, quando então fez planos de vender seus produtos na feira, num sábado que se aproximava. Sexta-feira, no entanto, choveu muito e uma enxurrada menos amiga destruiu seu primeiro sonho de ficar rico.

Cebolinha. Foto: Reprodução / Internet (vide Referências).
Não. Este primeiro prejuízo não o desanimou. Comprou uma leitoa baé recém-nascida, deu-lhe tratamento digno de um animal de pedigree. Ela cresceu bonita e engordou num pequeno chiqueiro improvisado nos fundos da casa. Quando se preparava — mais uma vez — para receber os lucros da venda do animal, eis que a leitoa amanheceu agonizante numa aziaga sexta-feira, 13 de agosto, vítima provavelmente de picada de serpente, muito comum na região, suspeitou ele.

Sem saber o que fazer para salvar o animal, aconselharam a procurar um rezador de picada de cobra, o que foi feito. O benzilhão preparou um defumador com folhas e ervas trazidas numa surrada e fedorenta capanga, e fez com que a moribunda porca inalasse a fétida fumaça. Não houve jeito, a porquinha “veio a óbito”, como Arouca costuma dizer entre frouxos de riso.   

Revoltado, sentindo-se perseguido por destino nefasto, um infortunado, ainda cogitou vender a carne do infeliz suíno, mas não o fez, sua consciência falou bem mais alto, o que lhe é próprio. Por outro lado, foi (mal) aconselhado por amigos a praticar tamanha insanidade sob o argumento de que não havia problema algum. Arouca preferiu, no entanto, seguir os bons ensinamentos de honestidade e respeito dados por seus pais.

Na mesma manhã, contratou os préstimos de suposto “coveiro”, Duka Fubica Véia, para fazer o sepultamento do suíno, que levou o animal em seu carcomido automóvel, dizendo que iria enterrá-lo na praia. Tempos depois, Arouca ficou sabendo que o sepultamento não ocorreu e o que torpe coveiro, pelo contrário, transformou-se em magarefe. Vendeu as carnes da falecida porca, de porta em porta. Ganhou, portanto, duas vezes, o desprezível espertalhão!

Passaram-se os dias de desânimo e amargura. Reanimou-se e, desta feita, pretendeu ser dono de granja. Ele mesmo criava e comercializava as aves. Certo dia, logo cedinho, apareceu uma esperta garotinha e comprou-lhe uma galinha rodhia, viva. Sua criação compunha basicamente dessa raça. Minutos depois, volta a menina trazendo recado da mãe:

— Minha mãe disse que esta galinha tá gripada.

— Tá bem! Então leva esta outra. Tá corada, parece que tá sadia.

Não demorou muito, retorna a garotinha acompanhada da mãe, furiosa e falante.

— Eu não quero mais galinha sua, não, seu moço. Fiquei com nojo. Além do mais você é um desonesto, fica enganando a freguesia, principalmente uma criança.

— A madame exagerou, eu também não sabia que a ave estivesse com gogo.

Alguns dias depois, todas as aves misteriosamente morreram, vítimas, é bem provável, de febre aviária, epizootia que, à época, assolava toda a região onde morava. Assim, nosso “biografado” desistiu de ser dono de granja.

Arouca, ainda mais uma vez, insiste em começar a construir seu próprio futuro. Comprou algumas caixas de isopor usadas e propôs a si mesmo vender geladinho na distante praia de Olivença, em Ilhéus.

Logo que adquiriu as caixas, desavisadamente, lavou algumas delas com álcool para desinfetar. Ele não sabia que a substância iria reagir com o isopor, danificando algumas caixas. As outras que lhe restaram, pintou-as com tinta a óleo, pondo o nome Geladinho Arouca, feito de frutas in natura.

Outra fatalidade estava por vir. Contratou alguns garotos para vender seus produtos, só que, chovendo torrencialmente por vários dias e fazendo muito frio, nada vendeu, fazendo-o retroceder do intento de ser dono de “fábrica de geladinho”.

Nada disso o desanimou, por mais inverídico que pareça. Desta feita, quis ser vendedor de quentinha. Ele mesmo preparava as refeições e as distribuía para a clientela. E, para ganhar da concorrência, resolveu vender fiado com a promessa de os compradores lhe pagar no final de cada mês. Resultado: descapitalizou, porque muitos clientes não cumpriam o prometido, e o “restaurante” não deu certo.

Com o pouco da sobra, comprou um pedaço de terra em São Roque do Paraguaçu, por incentivo de um colega de trabalho, nativo daquelas plagas. Disse que agora seria agricultor ou, mais precisamente, plantador de feijão. Adquiriu, na Casa do Agricultor, no Bairro do Comércio, em Salvador, dez quilos de sementes para cultivo, a cinco reais, e plantou numa bonita, promissora e orvalhada manhã.

Todo dia, no trabalho, ele comentava que sua rocinha estava um ouro. As plantinhas viçosas, florando, prometiam boa colheita. No entanto, faltou chuva, por perseguição do destino, já que o culpava, bem na época em que as plantas mais precisavam do líquido universal.

Isso, porém, não lhe arrefeceu os ânimos. Levantou bem cedo (o que habitualmente não o faz) e foi colher as preciosas vagens da leguminosa num final de semana qualquer. Dos 10 quilos plantados, colheu apenas 5, e o preço do quilo no mercado havia caído pela metade do lhe custou. Que prejuízo!

Que tristeza! Qual nada! Feliz, sorrindo à toa, levou para o trabalho num saco do Supermercado Paes Mendonça o produto do seu suor, fazendo questão de frisar. Fez a maior algazarra. Contou vantagens infindáveis sempre exibindo seu talismã: feijões verdes nas vagens e já debulhados.

Era sexta-feira, e para comemorar a minguada, mas festejada colheita, nada mais justo do que saborear a vitória bebendo algumas geladas cervejinhas. E, assim o fez. Saiu com os colegas para um aconchegante barzinho no Bairro do Comércio, na Cidade Baixa, em Salvador.

Depois de ter arrotado tanto papo, contando tantas lorotas, bebido várias louras geladas, já era hora de tomar o ônibus e levar para casa o mais belo dos troféus: o saquinho de feijão verde cultivado e colhido com tanto esmero e carinho.

Todos no trabalho, no entanto, ficamos comovidos, quando soubemos do trágico fim dos grãozinhos de feijão verde, do mais duro golpe do destino! Arouca, num imperdoável descuido, deixou o saquinho de feijões no banco do ônibus.

Ainda assim, em última e desesperada tentativa, tomou um táxi e foi em busca do coletivo. Alcançou-o, só que algum passageiro, menos avisado e insensível, levou o presente dos deuses. Certamente, para sua tristeza maior, este maldito passageiro cozinhará e comerá aqueles benditos grãozinhos como se faz com um feijãozinho comum, sem qualquer remorso.

Referências:

CARANGUEJO (foto). Disponível em: <https://cdn.folhape.com.br/upload/dn_arquivo/2021/01/caranguejo.jpeg>. Acesso em: 15 ago. 2021.

CEBOLINHA (foto). Disponível em: <https://www.fazfacil.com.br/wp-content/uploads/2013/08/20200524-cebol.jpg>. Acesso em: 15 ago. 2021.

sexta-feira, 1 de abril de 2022

Quando alguém se intromete em conversa alheia

Era uma sexta-feira como qualquer outra, que modernamente virou o verbo “sextar”. Aqui em Salvador, no entanto, é dia em que os restaurantes servem a seus clientes as tradicionais moquecas, prato por demais apreciado por turistas e soteropolitanos, para que a conjugação verbal seja perfeita e deliciosa.

Entrei num desses locais onde já sou habitual frequentador. Em uma das mesas, dois jovens rapazes apreciavam, com visível prazer, vistosos pratos de moqueca de arraia, o que me aguçou o apetite a também fazer o mesmo que eles.

Moqueca de arraia. Foto: Cláudio Meirelles (gastrólogo), 2022
Antes, no entanto, de pedir minha desejada refeição, perguntei ao cozinheiro:

— Tem camarão nessa moqueca, meu amigo?

Antes de o cozinheiro me responder, um dos jovens se antecipou:

— Se não tiver camarão, não é moqueca! — manifestou-se, convicto, um culinário especialista.

Não lhe dei atenção naquele momento e nem mesmo vi qual deles falou. Ignorei-o. Neste ínterim, entretanto, ouvi a resposta do mestre da cozinha:

— Tem não, meu senhor. Pode comer sem medo!

Agradeci-lhe e me voltei então para a mesa onde estavam os jovens comilões. E, com indisfarçada ironia, formalmente, gratulei:

— Muito obrigado, meu jovem! — para surpresa de ambos: um deles, sem saber onde meter a enrubescida face, provavelmente o lambisgoia, enquanto o outro tentava vãmente conter insistente riso, a ponto de cobrir a boca com a mão, para que comida e gargalhada não saíssem.


sexta-feira, 4 de março de 2022

Fim de um casamento por causa de uma muriçoca

— Menino, menino, casamento é coisa séria. Casamento não é caçoada. Comer sal no mesmo prato é uma missão muito difícil. Tem que ter muita compreensão, tem que ter muito gostar, tem que perdoar sempre. Eu num sei, não — fez breve pausa e continuou o aconselhamento:

— Só porque já nasceu penugem na cara, engrossou o cangote, tá ficano taludo, mudou o papo ainda ontem e já acha que é homem, pensa que já pode dar dicumê uma famia. Num sei, não, meu fii. E ela quem nem muié inteira é, encheu a blusinha isturdia... É... Sei não! ­— concluiu por hora.

Era sempre assim: todo dia Nezim ouvia a mesma ladainha. Dona Mariinha lia inteirinho o bê-á-bá, porém o namorado de Ninha não arredava pé da ideia de casamento. Tampouco se enfunava com a falação da mãinha protetora. Estava decidido. Casaria, sim, dia 25 de dezembro, aniversário da bem-amada, mesmo que se campasse depois.

Dona Mariinha ainda dizia, para arrematar a conversa:

— Oh, meu fii, tô falano tudo isso, mas não se zangue comigo, não. Não sou contra o seu casamento, só acho que ocês são muito novinho. Além do mais, ocê é cheio de veneta, inganjento, e ficar o tempo todo de junto um do zonzoto é muito difícil. Forante isso, se decidirem se casar mesmo, têm a minha “benção”.

E se casaram. No princípio, tudo ia muito bem, obrigado. E continuou assim por bons dois anos e meio. Sem filho, o casal sempre ia à Barra do São José curtir o Rio Corrente ou em algum povoado para quebrar a rotina semanal. Isso os mantinha como bons namorados e eternos amantes.

E veio um menino. Aí começaram os problemas... e desde o início, a partir do nome a ser dado ao pimpolho. Ele, torcedor do Botafogo, queria botar o nome Nilson, em homenagem a Nilson Dias, antigo atacante da Estrela Solitária nos anos 1970. Ela, fanática pelo Mengão, queria pôr Artur, prenome de Zico. E não arredaram pé de suas posições. O óbvio prevaleceu: o menino virou Artur Nilson. Pode?!

Nezim trabalhava em um banco. Bom funcionário, dedicado. Gostava de sorver umas cervejinhas às sextas-feiras depois dos extenuantes expedientes bancários. Nada de exagero, só mesmo para “molhar a palavra” num bate-papo com os amigos ora do banco ora do futebol. Só que isso virou rotina e ele começou a chegar em casa altas horas da noite, dando início a intermináveis discussões que, invariavelmente, terminavam com aquele bancário dormindo no sofá ou na casa de dona Mariinha.

Num desses tendepás, Nezim, muito chateado e sem querer mais discutir, resolveu arrumar a matula e se mandou para a casa da sempre acolhedora mãinha. Nada que parecesse definitivo. Afinal, já havia tomado esse caminho inúmeras vezes. Já tornara rotina.

Desta vez, no entanto, antes de sair, Nezim entrou no quarto para ver Nilsim e dar-lhe um beijo. Nilsim para ele, para a mãe era Arturzim. No berço, ele deparou com uma cena corriqueira naquela casa: uma enorme muriçoca-de-cavalo a sobrevoar. E esta foi pousar bem na testa de Nilsim, que dormia. Ele nem pestanejou e tomou decisão impensada: deu um tapa na testa do filho para matar o horripilante inseto. O artrópode voou incólume, mas o menino acordou assustado, aos berros.

Muriçoca-de-cavalo e mão de Hermes Novais. Foto: Novais Neto. 1996.
Ninha entrou no quarto, espavorida. Ela não viu o acontecido, só que ele, Nezim, como não teve intenção de maltratar na criança, contou toda a verdade, tintim por tintim, sem hesitar, mas Ninha não acreditou em nada do que ouviu. Tinha certeza de que se tratou de uma covarde vingança contra um inocente e o pôs para fora de casa embaixo de sucessivas vassouradas no esquelético dorso. Sem dó nem piedade. E o conúbio, que já parecia haver durado muito, chegou inevitavelmente ao último capítulo.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Jardim Jacaré e sua história

Nos anos de 1920, quando foi iniciada a construção do prédio da Prefeitura na administração do intendente Clemente de Araújo Castro (1921-1924) e concluída no mandato do também intendente Elias de Sousa Borba (1924-1928), o logradouro onde é a atual Praça do Jacaré, em Santa Maria da Vitória, passou a ser conhecido como Praça do Concelho em alusão à Câmara de Vereadores, à época, denominada Concelho, que funcionava no referido edifício, inclusive a Cadeia Pública, que ficava no térreo. Essa praça é citada no livro Porto Calendário, de Osório Alves de Castro. Posteriormente, ela recebeu o nome de Praça 15 de Novembro.

Praça da Prefeitura (Praça 15 de Novembro) e a antiga ponte de madeira. 

Praça do Concelho


Embora já houvesse o cais, um pouco mais baixo, não havia calçamento. Nos períodos chuvosos, virava uma lagoa. Em outros momentos, ela se transformava em campo de futebol e palco de manifestações culturais e folclóricas, como as cavalhadas, que encenavam confronto entre Mouros e Cristãos. Serviu também, na segunda metade da década de 1960, aproximadamente, de espaço de treinamento físico ministrado pelo Cabo Baltazar, da PM/BA, cuja intenção era formar um grupo de escoteiros, o que não se configurou porque o mesmo foi transferido para outra cidade.

Praça da Prefeitura (Praça 15 de Novembro) alagada. 

Antigo cais da Praça da Prefeitura (Praça 15 de Novembro). 

Cavalhada – Encenação de batalha entre Mouros e Cristãos


Meu pai, Tião Sapateiro, fazia parte como cavaleiro, e minha mãe, Jandira Almeida, em algumas ocasiões foi princesa dos Cristãos. Rolando Laranjeira (duas vezes prefeito) era o embaixador dos Mouros, personagem com quem ela contracenava, cujo diálogo minha genitora mantém vivo na memória. O evento era organizado por Nezinho Lisboa, marido de Dona Nita, da famosa que levava seu nome, a Padaria de Dona Nita.

Jandira Almeida e Rolando Laranjeira*
*Foto: Reprodução / Facebook / Rolando Adson Laranjeira Lessa
Cavalhada na Praça 15 de Novembro (Praça do Jacaré). No destaque, Tião Sapateiro.

Evanisa Fé Souza


Entre os anos 1955 e 1958, quando era prefeito Arnaldo Pereira da Silva, pretendeu-se lotear aquela área, isto é, prolongar a Rua Dr. Cotias Lebre, rua da passarela que interliga Santa Maria a São Félix do Coribe, até o limite do riacho, onde é o atual Canecão Restaurante e Pizzaria. Aí entrou em cena a destemida Evanisa Fé Souza, primeira vereadora da cidade (1955-1958), que era contra o projeto.

Apoiada por seus pares, numa sessão de ânimos muito acirrados, o nefasto projeto foi definitivamente rechaçado. Não fosse sua corajosa atitude, a Praça do Jacaré estaria hoje reduzida a duas simples ruas: uma na beira do Rio Corrente, a Cotias Lebre, como já foi dito, e outra virada para a Prefeitura a dar continuidade à Rua Cel. Clemente de Araújo Castro, rua do Centro Educacional Santamariense.

Evanisa Souza Ramos ou Dona Evanisa de Mundinho, como ficou conhecida após casar-se com o promotor de justiça Clarismundo de Souza Ramos, santa-mariense, elegeu-se vereadora ainda bem jovem, com pouco mais de 18 anos, mesmo sem ter vocação política e sem distribuir um único panfleto. Quem fez sua campanha política foi tão somente a mãe, Carmelina Fé de Souza, Dona Camé.

Caso o projeto houvesse vingado, o centro de Santa Maria da Vitória disporia apenas de duas modestas praças: a da Bandeira, ao lado da Igreja Matriz, cujo obelisco foi instalado quando era prefeito Clóvis de Araújo Castro (1937-1938) [o jardim foi construído pelo prefeito Leônidas Borba (1961-1962)]. E a praça entre o riacho e o Mercado Municipal, construída pelo então prefeito Rolando Laranjeira Barbosa (1962-1965), na qual havia um jardim na forma estelar, apelidado Jardim Estrela, e o busto do Fundador da cidade, o Tenente-Coronel Joaquim Afonso de Oliveira.

Feira municipal no Jardim Estrela. No destaque, busto do fundador da cidade.
Obelisco da Praça da Bandeira. Déc. de 1930
Foto: Reprodução / Facebook / Manoel Q. Assis
Nessa área, acontecia a feira municipal da cidade aos sábados. No primeiro mandato de Prudente José de Morais (2001-2004), a praça foi reconstruída, fechada para o tráfego de veículos e recebeu o nome de Praça dos Afonsos, atendendo pedido de Maria das Vitórias Oliveira Lima (Vitorinha, 80 anos), bisneta do fundador, como homenagem à família Afonso de Oliveira.

Praça dos Afonso. Lanç. do livro Meu Lugar é Aqui no Centenário de Santa Maria da Vitória, de Novais Neto.

Adão Fé Souza


O prefeito seguinte da cidade foi Roberto Borges (1959-1960), que veio a falecer durante o exercício do mandato. Quem deveria assumir o cargo de prefeito seria o presidente da Câmara de Vereadores, José de Lima Athayde (Juca Athayde), pois não havia a figura do vice-prefeito. Porém, numa manobra política da qual não participou Leônidas Borba, odontólogo formado pela UFBA, ele foi indicado. A contragosto, aceitou o desafio e completou o mandato (1961-1962) com dignidade e honradez.

Vereadora Evanisa Fé Souza e o deputado estadual Adão Fé Souza
Após Dr. Leônidas, como era chamado, elegeu-se prefeito Rolando Laranjeira Barbosa (1962-1965), quando foi iniciada a construção de um jardim no centro da Praça 15 de Novembro com verbas oriundas de emenda parlamentar do primeiro deputado estadual santa-mariense, o advogado Adão Fé Souza, irmão de Dona Evanisa. A verba também serviu para construção da ponte ao lado do Canecão, que era de madeira, e logo virou ponto de encontro dos jovens nas cálidas noites santa-marienses.
Barracão da Companhia do Vale do São Francisco (CVSF) e ponte de madeira.

O jacaré de Adão Souza


Adão foi suplente entre 1963 e 1967, tendo assumido o mandato porque o titular foi para uma secretaria de Estado. Depois foi eleito deputado para o período de 1967 a 1971. A obra da construção da praça e do jardim ficou inconclusa no governo de Seu Rolando, como era tratado. Por isso, quando o rio transbordava, apenas a parte alta do jardim podia ser vista, “assemelhando-se” às costas de um jacaré. Os adversários políticos do deputado, em tom jocoso ou de deboche, apelidaram-no “jacaré de Adão Souza”, o que caiu no gosto de muitos galhofeiros.

Assim, não se sustenta a “história” propagada de que teria sido pela presença de jacarés, que pode sim ter existido, já que ali se juntava água. No entanto, se dessa forma fosse, o nome já teria vindo desde antes do início da construção do jardim, o que de fato não ocorreu. Essa “história” fantasiosa fixou-se pelo fato de serem colocadas esculturas de jacarés no novo jardim, imagens que no antigo inexistiam, pois não havia referência à presença daquele réptil. Aliás, no antigo jardim, tentou-se fazer isso, mas não prosperou.

A conclusão da obra só veio a ocorrer na gestão de Péricles Laranjeira Braga (1966-1970), sobrinho de Rolando, quando se aumentou a altura do cais, toda a área foi aterrada, calçada, e o local oficialmente renomeado Praça Gov. Luís Viana Filho. O jardim então passou a ser chamado de Jardim Jacaré que, de tão famoso, terminou por dar nome ao logradouro: Praça do Jardim Jacaré. Quem não gostou disso foi Dr. Leônidas, que se recusava a chamá-lo assim, preferia dizer Praça do Réptil, visto que o estrambótico apelido ofuscou o nome de seu amigo, o ex-governador baiano Luís Viana Filho.

A exemplo de Leônidas Borba, o então deputado Adão Souza não gostou do nome oficial do logradouro. Ele queria que fosse Praça Dr. José Borba, seu amigo, ex-prefeito (1949-1950), irmão de Leônidas, para o qual dedicou a poesia “Lealdade!”, por ocasião do assassinato daquele pelo Cabo Sarapião em 20/10/1951. O deputado confidenciava a amigos que se um dia fosse prefeito, mudaria o nome da praça. A justificativa para não adoção do nome de José de Souza Borba, médico conhecido por Dr. Zuza, era que ele nominaria um futuro hospital municipal, o que, de fato, ocorreu no ano de 1979, no Bairro da Sambaíba, quando Tito Soares exercia seu primeiro mandato (1977-1982).

Adão Fé Souza, cuja ponte que liga Santa Maria da Vitória a São Félix do Coribe, leva seu nome, nasceu em 25/3/1933 e faleceu em acidente automobilístico ocorrido numa estrada rural próximo a Bom Jesus da Lapa, após voltar de uma pescaria, no dia 17/8/1974, aos 41 anos. Dona Evanisa, sua irmã, ainda traz vívida na memória a primeira estrofe da poesia “Minha terra”, escrita por ele, cujo manuscrito extraviou-se, que assim descreve a localização de sua cidade natal: “Às margens do Rio Corrente, / está ela bem em frente / ao Morro do Domingão, / a minha terra querida, / esmeralda adormecida / nos rincões do meu Sertão. // [...]”.



Foi também o ex-prefeito Braga que mandou fazer em Salvador, numa casa de fundição localizada no Pelourinho, a estátua de um remeiro, de artista não identificado, que foi colocada em frente aos Correios, quando esse nem ficava ali, numa área gramada, como indispensável homenagem a esses trabalhadores que tanto progresso levaram para Santa Marida da Vitória transportando mercadorias.

Jardim Jacaré, os três banquinhos e a escultura em homenagem ao remeiro (destaque em amarelo).
Foto: Reprodução / Facebook / Maria Astéria Lisboa Barros.
Quando Tito Lívio Nogueira Soares foi prefeito municipal (1989-1992), a Câmara dos Vereadores iniciou um projeto de lei que propunha mudar o nome do local para Praça do Jacaré, que Tito, de pronto, vetou. Não se dando por derrotada no seu propósito, a Câmara aprovou uma resolução que concretizou seu intento. Nesse caso, o atual nome do logradouro é, legalmente, Praça do Jacaré e não Gov. Luís Viana Filho.

Jardim Jacaré


Jardim Jacaré e uma das rampas em frente ao Banco do Brasil. Foto: Novais Neto, 1983

Praça do Jardim Jacaré. Enchente de fevereiro de 1980.

O Jardim Jacaré passou a ser referência em toda a região. Seu traçado retangular trazia uma rampa de cada lado, duas maiores e duas menores que davam acesso ao centro, parte bem mais alta, mais ou menos dois metros acima do nível dos passeios laterais. No centro, havia um fosso onde deveria ser uma fonte luminosa no projeto original, o que não se concretizou, e foi aterrado. Em cada canto do quadrado central havia um banco que se tornavam locais disputadíssimos. Já os bancos, no entorno do jardim, foram doações de proprietários de casas comerciais e famílias santa-marienses, cujos nomes estampavam em gravações em baixo relevo nos encostos.

Jardim Jacaré visto pelos traços de Zuza Pintor. Década de 1970.
Ao fundo, à direita, a antiga Escadinha que dava acesso ao Alto do Menino Deus.


Em razão das rampas, o jardim ficou com quatro quadrantes, onde havia em cada um deles dois conjuntos com três banquinhos. Dizíamos que dois deles eram destinados ao casal e o terceiro, destinado à “vela”. Outro fato curioso é que os homens andavam num sentido e as mulheres em sentido contrário para facilitar o encontro, claro. Quando isso acontecia, ficavam por ali mesmo a circular, conversando, ou procuravam algum banco livre, o que, nos finais de semana ou em dias festivos, era missão por demais difícil.
Jardim Jacaré em construção. Década de 1960.


Hermes Novais, Lia Álvares e Novais Neto em um dos bancos do centro.
O afamado jardim marcou gerações, propiciou encontros amorosos que resultaram em consolidados casamentos. Era local para papos futebolísticos, encontro os mais diversos, desfiles cívicos, manifestações culturais, comemorações várias, carnavais de rua etc. Havia no jardim bancas de revistas e, em frente ao Banco do Brasil, uma torre com propagandas comerciais e um aparelho de televisão acoplado a ela, cujos sinais vinham de uma torre, TV Aroeira, instalada no Morro do Domingão. A citada torre foi instalada quando era prefeito da cidade Francisco Alves da Silva (1983-1987), Chiquinho da Almasa. Foi também na gestão de Chiquinho que foi instalada uma fonte luminosa no centro do jardim, na parte alta, que durou bem pouco tempo e foi removida.

Torre de propagandas comerciais com um aparelho televisor.
Foi neste jardim que universitários dos mais variados países, oriundos do Projeto Rondon, para lá se dirigiam e agitavam a cidade com gincanas, plantio de árvores etc. Certa vez, mais de cinquenta estudantes lá estiveram. Era nesse local que ciclistas desafiavam os limites do corpo, alguns deles chegando a circular o jardim por uma semana em cima de uma bicicleta. Lá também, brutamontes seguravam jipes acelerados, amarrados por cordas. Foi também nesse jardim onde aprendi a andar de bicicleta, uma Monark vermelha, reluzente, de Zé de Paula, pela qual ele tinha enorme cuidado.

Faixa da I Semana de Arte e Cultura. Ano de 1980.
Armação de barraca para festa junina. Alunos do Curso Básico do Centro Educacional Santamariense.
Na foto: Ana Rosália Fernandes e Novais Neto. Ano de 1975.
É verdade também que o local não foi palco somente de bons acontecimentos. Episódios lamentáveis também ocorreram como, por exemplo, o assassinato de Zezinho de Dona Maria Monteiro e a queima de corpos de presos retirados da Delegacia, acusados da morte da estudante de Medicina, Múcia Verbênia, filha de Milu e do ex-prefeito Chiquinho da Almasa, em 1989. Este fato repercutiu negativamente o nome da cidade e estimulou outras pessoas em outros locais a agirem da mesma forma, inclusive a intitular eventos semelhantes como “A justiça de Santa Maria da Vitória”. Muito triste!

Reprodução de imagem do Jornal A Tarde, 2/10/1989.

Demolição do Jardim Jacaré


O Jardim Jacaré envelheceu e precisava verdadeiramente de uma reforma ou, apenas para usar uma palavra da moda, de uma “revitalização”. Na gestão de Nery Pereira Batista (1997-2000), o jardim foi demolido. Árvores frondosas e representativas da nossa flora, como um quarentenário pé de tamburi, foram derrubadas, mesmo sob protestos de estudantes e populares. Na ocasião, eu, Novais Neto, e Erlônio Tonhá fomos autores de uma carta aberta dirigida à população santa-mariense para demonstrar indignação e repúdio pelo ato lamentável.

Carta aberta redigida por Erlônio Tonhá e Novais Neto. Fev. 2000
Novo Jardim Jacaré


O prefeito concluiu a gestão, mas o jardim ficou em ruínas. Somente no final do primeiro mandato de Prudente José de Morais (2001-2004), o novo jardim foi estendido até o cais e a praça reconstruída. O jardim, no entanto, sem guardar qualquer semelhança com o outrora local glamoroso e histórico. Mesmo assim continuou a ser chamado Jardim Jacaré. E a população também não deixou de chamar o logradouro de Praça do Jacaré, nome, inclusive, como já foi dito, aprovado por resolução da Câmara de Vereadores, quando o prefeito era Tito Soares (1977-1982), e não Praça Gov. Luís Viana Filho.

Não resta dúvida, ademais, que a praça ficou bonita, todavia, do antigo Jardim Jacaré, suas memórias continuam vivíssimas em fotos antigas, principalmente, para quem teve o privilégio de conhecê-lo na sua glória e esplendor. Jardim Jacaré de marcantes e inolvidáveis recordações.

Novo Jardim Jacaré em uma foto feita do ultraleve de Dão Serpa. Foto: Hermes Novais, 2008.
O novo Jardim Jacaré, que teve a praça asfaltada na gestão do prefeito Renato Rodrigues Leite Júnior (Renatinho, 2017-2020), acaba de passar ultimamente por uma providencial revitalização e readequação no governo do atual prefeito, Antônio Elson Marques da Silva, mais conhecido por Tonho de Zé de Agdônio, que tem mandato previsto para o período de 2021 a 2024.

Observações indispensáveis


Vale registrar que as informações aqui contidas, muitas delas eu já as conhecia, porém tive o devido cuidado de confirmá-las com pessoas idôneas que participaram diretamente dos acontecimentos, portanto, testemunhas oculares da história, vez que nasci no ano de 1957 e, nos anos 1960, apesar de lembrar-me fugidiamente de certos fatos, ainda era um menino.

Assim pensando, mantive contato com Evanisa Ramos (87 anos), Péricles Braga (84 anos, através do filho Sérgio), Dilza Borges (83 anos), filha do ex-prefeito Roberto Borges, e Tito Soares (85 anos). Além desses, já havia confirmado informações com meu pai, Tião Sapateiro, falecido aos 91 anos, em 2020, como também algumas me foram narradas por Clodomir Morais (1928-2016). Confirmei outros episódios com minha mãe, Jandira Almeida Neves (91 anos), Washington Antônio Simões (72 anos) e Joselino Rodrigues de Souza (Josa do IBGE, 74 anos).

Praças que só existem os nomes ou sequer chegaram a ser praça


Infelizmente, atitudes como a de Dona Evanisa, quanto a não deixar lotear a Praça do Jacaré, são raríssimas, por isso deveriam servir de exemplo, visto que algumas áreas de Santa Maria da Vitória, que poderiam ser belas e aconchegantes praças, locais de lazer ou simplesmente para circulação de ar, são escassas para o tamanho da cidade.

Enumero, a seguir, algumas dessas áreas que presenciei as mudanças, sendo, portanto, testemunha ocular e não apenas alguém que ouviu falar:

1. Praça do Pequizeiro – área denominada Praça Tiradentes, que engloba desde a Igreja Assembleia de Deus (onde havia uma gameleira), e os prédios escolares Padre Luiz Palmeira, Roberto Borges e Rolando Laranjeira Barbosa. Moradores dessa “ex-praça”, como Antônio Fernando de Oliveira (Professor Kaofo), ainda hoje recebe conta de energia elétrica em nome do pai, Abílio Antunes de Oliveira, com o nome do antigo logradouro.

Na parte alta da “ex-praça”, entre os prédios da Conab e o Fórum Desem. Joaquim Laranjeira, um pouco mais abaixo, onde ficam as casas da atual Rua Henrique Dias, a rua de Nissão, havia dois frondosos jatobazeiros, que foram cortados.

Praça Tiradentes antiga Praça do Pequizeiro. A casa do Professor Kaofo fica mais ou menos ao centro.
Conta de energia elétrica ainda com nome da Praça Tiradentes (vide destaque).
2. Estádio Wilson Barros – área em frente à Casa da Cultura Antônio Lisboa de Morais, que abrange desde os laboratórios Plasma e Santa Maria (Laboratório de Tadeu), Ministério Público e autoescola. Nesse local ficava também a antiga Quadra de Chiquinho da Almasa (ex-prefeito), a segunda da cidade, uma vez que a primeira localizava no Bairro da Sambaíba, na Sede do antigo Clube Santa Maria, antes da existência do mesmo, no local conhecido por Manga dos Crentes. Foi construída por funcionários do Banco do Brasil no início dos anos 1960.

3. Praça Argemiro Filardi – área defronte ao Cemitério Santa Verônica, onde ficam duas “caixas”: a antiga caixa d’água da cidade e a Caixa Econômica Federal, além da Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB) e dentre outras construções. Portanto, como praça restou apenas o nome. Nesse local ainda pude assistir a uma das últimas cavalhadas da cidade, que para aqui veio após a construção da Praça Gov. Luís Viana Filho (Praça do Jacaré). Na ocasião, existia apenas a caixa d’água e uma fileira de meia-dúzia de casas em frente ao referido cemitério.

4. Bairro Jardim América – local onde se situa a atual Prefeitura Municipal. É oportuno registrar que na enchente de 1988/1989, quando toda parte baixa da cidade ficou submersa por uns 15 dias, era para esse local que as pessoas se deslocavam para conversar, divertir, espairecer. Atualmente, ficou menor devido à construção do prédio da Câmara de Dirigentes Lojistas (CBL) de Santa Maria da Vitória e São Félix do Coribe.

5. Bairro do Malvão – região central no início da Avenida Brasil, que dá acesso à Prefeitura Municipal. Lá também, segundo se comenta, será uma praça, no entanto já começou a ficar menor com a construção do prédio do INSS. Resta-nos torcer para que tal empreendimento se realize, a final, nossa Santa Maria carece de áreas de encontros, lazer, ventilação etc.

Agradecimentos especiais


Aos irmãos Dilson e Tinho de Evanisa, Fernando Kaofo, Hermes Novais, aos casais Jairo Rodrigues e Norma Borba, Tito Soares e Dilza Borges; a Demazinho Rodrigues, Beto Soares, Sérgio Braga, Paulo Martinez, Washington Antônio, Joselino (Josa do IBGE), Valdimiro Lustosa Soares (Guri), Osmir Celestino e a Justino Cosme.

Tito Soares, Dilza Borges e Novais Neto. Dez. 2021.

Novais Neto e Tinho de Evanisa. Dez. 2021.

Referências


ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DA BAHIA – ALBA. Dep. Adão Souza. Disponível em: <https://www.al.ba.gov.br/deputados/ex-deputado-estadual/5000007>. Acesso em: 19 dez. 2021.

CASTRO, Osório Alves de. Porto calendário. Coletânea Terra Forte, v. 4. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1961. 320 p.

CRUZ, João Nogueira da. Adão Fé Souza: personagem vivo da história de Santa Maria da Vitória. Disponível em: <https://www.recantodasletras.com.br/cronicas/6547835>. Acesso em: 9 jan. 2022.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Santa Maria da Vitória. Disponível em: <https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/ba/santa-maria-da-vitoria.html>. Acesso em: 9 jan. 2022.

OLIVEIRA, Rita de Cássia. Foto da Praça do Jardim Jacaré. Disponível em <https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10217200213334956&set=pb.1159400016.-2207520000..&type=3>. Acesso em: 19 jan. 2022.

SILVA, Jaime Pereira da. Santa Maria da Vitória: cem anos de história. Santa Maria da Vitória: Edição do autor, 2004. 172 p.

Correção (31/10/2023)

A correção que se pretende fazer nesta crônica é com relação ao nome da praça que abriga o Jardim Jacaré. Segundo as informações que me foram dadas pelo ex-prefeito Tito Lívio Nogueira Soares, relativas ao seu segundo mandato (1989-1992), houve um projeto de lei de iniciativa da Câmara de Vereadores, apresentado ao Executivo, quando era presidente do Legislativo, Plínio da Silva Leite, que o citado prefeito vetou.

Em pesquisa realizada pelo competente e solícito arquivista Altemir José Tomaz, concursado desde o ano 1990, não se constatou que a Câmara tenha derrubado o veto, consequentemente, sancionado a lei. Portanto, o nome do logradouro continuou a ser Praça Gov. Luís Viana Filho.

No entanto, no ano de 2002, quando Plínio da Silva Leite, novamente presidente da Câmara e agora do mesmo grupo político do então prefeito Prudente José de Morais, no seu primeiro mandato (2001-2004), apresentou um projeto de lei que foi sancionado em 29/8/2002, vindo a ser a Lei nº. 618/2002, que “Denomina de Praça do Jacaré a atual Praça Dr. Luiz Viana Filho, e dá outras providências”.



Com relação a essa mesma lei, que estabelece no seu “Parágrafo Único - Na Praça do Jacaré, deverá ser construído uma estátua evocativa ao Jacaré, como símbolo da referida Praça.”, há uma incorreção: o nome antigo do logradouro é Praça Gov. Luís Viana Filho e não Dr. Luís Viana Filho, como pode ser visto em uma placa remanescente afixada no Setor de Custódia, da Polícia Civil da Bahia, ao lado dos Correios, na praça em questão, centro da cidade de Santa Maria da Vitória.


Placa afixada no Setor de Custódia, Delegacia de Polícia, ao lado dos Correios. Foto: Novais Neto.

Como se sabe que esta placa é certamente das primeiras? Nas placas antigas, não haviam propaganda comerciais como as de hoje, inclusive há uma que veio após esta, afixada na lateral direito do Banco do Brasil, quando da reconstrução e expansão do Jardim Jacaré, por Prudente José de Moraes, em que há propaganda. As atuas, vale indignar, destacam mais os apelos comerciais do que o nome do logradouro.


Placa afixada na lateral direita do Banco do Brasil. Foto: Novais Neto.

Por fim, para que não pairem dúvidas, e amparado no que determina a Lei nº. 618/2002, o nome do atual logradouro que abriga o Jardim Jacaré, que não tem o glamour, o charme, nem a história do primitivo, está instalado, é Praça do Jacaré e não Governador ou Doutor Luís Viana Filho. E apenas para registro, já o nome do prédio localizado no Alto do Menino Deus é Escola Dr. Luís Viana Filho. Foi lá que estudei o 4º Ano Primário, no ano eleitoral e trágico de 1970, com a professora Dilza Borges Soares.

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