sábado, 12 de junho de 2021

A felicidade segundo João Diamantino

Minha vida laboral começou bem cedo. Na sapataria do meu pai, ainda criança, costumava fazer, juntamente com os irmãos Jairo Rodrigues e James Dael, sandálias de boneca que eram vendidas às meninas na calçada da casa dos meus pais por nós mesmos. O pagamento nem sempre se restringia a moeda propriamente dita, mas até carteiras de cigarros vazias, consideradas “dinheiro”, valiosas para nós meninos, principalmente as mais raras como Consul, Astoria, Albany, Malboro, Camel etc.

Depois, fui me aperfeiçoando na profissão paterna e passei a fazer sandálias, alpercatas com solado de pneu e tamancos, que vendia inclusive a colegas de escola. Quanto a esses produtos, eu os deixava para minha mãe entregar, porque saía muito fiado e eu não sabia dizer “não”, como também não sabia cobrar depois, portanto, essa tarefa quase sempre ficava por conta dela.

Após os 18 anos, por influência da minha tia Isaura Almeida, irmã da minha mãe, e pelo bom desempenho na escola (sei lá!), fui trabalhar, em 1977, no Funrural, isto é, Representação Local do Funrural, cujo representante era Milton de Souza Borba, casado com minha ex-professora ginasiana de Matemática, Zenilda de Souza Borba, que efetivamente ficava à frente dos serviços do escritório.

Novais Neto, Milton Borba, Regina Lúcia e Trabalhador Rural. Acervo: Novais Neto. 1977
Trabalhar no Funrural foi um verdadeiro desafio para mim, pois lá já laborava o experiente José Ferreira da Cruz, Zé de Paula, com diploma do antigo Curso Normal (Magistério), professor de Datilografia e servidor público municipal na Câmara de Vereadores da cidade, que iria se desligar. Além dele, a também professora Maria Magalhães (Dô), filha de Tinhô Queiroz, fazia parte da equipe.

Meu trabalho, inicialmente, foi entrevistar os pretendentes à aposentadoria ou pensão, seguindo um questionário preestabelecido. Era muito bom (e divertido) porque eu me deliciava com aquele contato com o pessoal da roça, pois já tinha esse hábito quando trabalhava na tenda de sapateiro do meu pai, que confeccionava principalmente botinas, além de “precata-salga-bunda” para pessoas da zona rural.

Com também gostava de escrever e desempenhava bem as tarefas na máquina de datilografia, cabia a mim redigir documentos, cartas, ofícios, sempre orientado por Seu Milton, que conhecia muito bem a linguagem própria, e acabei aprendendo muito e exercitando tão salutar atividade: escrever.

Seu Milton nos falava muito de seus antigos colegas de escola, dentre eles, o conterrâneo, sociólogo e cosmopolita Clodomir Santos de Morais, um dos expoentes da cultura santa-mariense. Por outro lado, de tanto repetir um ditado improvisado em sala de aula pelo mestre de ambos, João Diamantino de Oliveira, por título “A felicidade”, do qual tão somente se lembrava de dois parágrafos do mesmo, conforme transcreveu para mim.

Manuscrito de Milton Borba, 1978. Acervo: Novais Neto e João Diamantino: Acervo: Flamarion Costa.
Essa lembrança, por parte de Milton Borba, acontecia muitos anos depois, já que, segundo ele, o referido ditado é do ano de 1950, guardado na memória. O autor de tão belo improviso, João Diamantino nasceu em Minas, mas adotou Correntina como sua terra natal, por lá ficou e construiu bela e indelével história.

O famoso “baianeiro” foi professor, orador, poeta e rábula ou provisionado, isto é, advogado sem formação acadêmica em Direito, que obtinha autorização do Poder Judiciário ou entidade de classe para exercício da profissão. Em nossa Santa Maria, conheci alguns desses imprescindíveis profissionais de admiráveis conhecimentos jurídicos, dentre eles, Manoel Cruz, Wilson Afonso e Domício Gramacho.

Quanto especificamente ao lente João Diamantino, ele é sempre lembrado por minha mãe, Jandira Almeida, 91 anos, que com ele conviveu quando ela trabalhou na Tesouraria, da Prefeitura de Santana, sua terra natal, entre os anos de 1947 a 1950, época do mandato do então prefeito João Alkmim.

Relativamente ao ditado improvisado em sala de aula por João Diamantino, por achá-lo tão maravilhoso e expressivo, tomei a ousadia de complementá-lo tomando por base, evidentemente, as palavras contidas no parágrafo inicial, incompleto, como já foi dito. Eis, portanto, “A felicidade” segundo Seu João:

“Verdadeira ilusão a de andar-se à procura da felicidade, porque a ninguém caberá o direito de encontrá-la inteira e completa como a desejamos.

Sustentada pelas alternativas de prazer e sofrimento, pelos momentos odientos e amorosos” [...] (1), a felicidade faz-se verdadeira obsessão, mas se sente inviolável e inatingível como a gênese dos tempos.

Ainda assim, movidos por desejos incontidos, mesmo sabendo da impossibilidade de tê-la prisioneira e privativa, nós, homens e mulheres, incansavelmente a buscamos.

Por isso mesmo, sabiamente, desabafou alguém num momento de sofreguidão: “Aí, felicidade, quanta besteira se comete porque tu sabes fazer desejada”.

Observação:

(1). Até esse ponto, as palavras são de João Diamantino. A partir daí, são palavras minhas.

Referências:

OLIVEIRA, João Diamantino de. Bichão de sorte. In: COSTA, Flamarion et al. Poetas de Correntina e Samavi. V. 2. Brasília, DF: Edição do autor, 2021. 205 p. p. 79. (livro não publicado).


FILARDI, Aldair. Santana: ontem, hoje, sempre...: uma viagem no tempo e na saudade. Salvador, BA: Edição da autora, [20--]. 114 p. p. 14.

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