sexta-feira, 23 de abril de 2021

O palavreado de Seu Luiz

Toda cidadezinha interiorana desfruta de uma figura folclórica. Na minha terra, há inúmeras que mantêm vivos o uso, os causos e a velha máxima popular que assevera: “O povo não inventa, aumenta”.

Lá em Santa Maria, não se foge à regra. Aliás, foge sim! Além de aumentar, existem pessoas como Salvador do Mercado que criam histórias, piadas, jargões enriquecedores do folclore santa-mariense.

Havia, também, pessoas como Seu Luiz Serrano, homem simples, mestre de obra, que se preocupava com a boa fala. Não dispensava um termo rebuscado quase sempre empregado em momento oportuno e corretamente.

Conta-se que, numa ocasião, Seu Luiz foi ao Banco do Brasil repetir uma transação bem corriqueira para ele: solicitar a emissão de uma Ordem de Pagamento.

Todo cerimonioso, entrou na agência e se deteve em frente à bateria de caixas. Um funcionário, ao vê-lo, provocou-o, porque, já o conhecendo, gostaria de ouvir algo novo da nossa língua portuguesa.

— E aí, Seu Luiz, o senhor vai fazer a Ordem de Pagamento?

— Não, meu filho. Vou fazer uma transferência de numerário.

Alguém, noutra oportunidade, aproximou-se dele e lhe deu uma notícia meio triste:

— Seu Luiz, o irmão do senhor está bêbado, caído lá na rodagem que vai pra Santana.

— Obrigado, meu filho. Ele é que sabe se aguenta o peso da Goodyear — evidentemente se referindo a pneus da famosa marca utilizados por automóveis que poderiam atropelá-lo na pista, ali caído.

Era sempre assim: aquele amável senhor dificilmente adentrava o coloquialismo. As respostas fluíam sem qualquer deslize. Seu Luiz nunca vacilava nas respostas, como esta que deu ao prefeito, quando, bem cedinho, chegou à casa do mesmo dando-lhe notícias de uma das filhas adoentada.

— Senhor prefeito, vim aqui pedir-lhe uma ajuda financeira para comprar medicamento para minha filha 
— e mostrando o braço da menina, apontou para uma região bastante avermelhada e inflamada, fato que sensibilizou o prefeito:

— O que foi isso, Seu Luiz? Foi mordida de algum bicho? Você sabe que bicho foi esse?

— Foi, sim, senhor. Foi um aracnídeo que lhe picou a epiderme, causando edema e muita dor.

Ainda com o prefeito, aconteceu algo digno de registro. Por ocasião de uma mudança de residência, Seu Luiz foi chamado pelo governante para orientar carregadores na retirada dos móveis.

Durante o desmonte de um deles, Seu Luiz viu dois ajudantes desmontarem bruscamente uma bonita estante, arrastando-a e forçando-a a ponto de rachar uma das tábuas. Aquele pacato senhor perdeu a paciência ao presenciar tamanha estupidez, e caprichou no vernáculo:

— Seus apedeutas, energúmenos. Será que não percebem que são módulos de sobrepor. Basta levantar cada um com sutileza. E pronto, está resolvido!

Contam também que o mesmo saiu-se com uma resposta digna dos bons trocadilhistas, quando um senhor chamado Penha jogou-se de um prédio ao descobrir que estava sendo traído pela esposa.

— Seu Luiz, pel’amor de Deus, o que foi isso?

— Um homem que se despenha (diz Penha) por uma mulher que disputa (diz puta) — aqui, certamente, a repetir um grande poeta brasileiro, o curitibano Emílio de Menezes, frase a ele atribuída.

Este causo era também contado pelo sempre sorridente Chiquinho da Almasa (Algodoeira Santa Maria S/A, da qual era contador). Chiquinho, ao casar com Milu Assunção, tornou-se Chiquinho de Milu. Elegeu-se prefeito e governou nossa cidade entre os anos de 1983 e 1987. Ele foi meu professor de Práticas Contábeis no Centro Educacional Santamariense, quando ginasiano. Chiquinho partiu prematuramente desta vida.

Ao contrário de Seu Luiz, Chiquinho da Almasa era um bom piadista. Certa feita, alguém noticiou a ele com entusiamo: “Chiquinho, vou me casar”, ao que, de supetão, questionou a sorrir: “contra quem?”.

Seu Luiz é uma “figuuuuura”, diria um poeta conhecido meu. E por falar em poeta, vejam a requintada resposta que ele teria dado àquele senhor que o interrogou sobre um animal que havia sido atropelado.

Cão atropelado. Foto: Reprodução / Vide referências.
— O que foi isso, Seu Luiz? Tadim do bichim! Tão maguim!

— Foi um veículo que, com suas quatro rodas borrachinosas, passou sobre o crânio deste canino, deixando-o inerte nesta praça escaldante — episódio que também ouvi narrado por Chiquinho da Almasa, cujo personagem não era Seu Luiz.

Levando, por fim, o palavreado de Seu Luiz para um Português entendível, sem tanto rebusco, ele apenas quis dizer “que um carro havia passado na cabeça de um cachorro”. Muito simples!

Referências:

ANIMAL atropelado deve ser socorrido por motorista. Disponível em: <https://cdn.autopapo.com.br/box/uploads/2019/05/20101932/animal-atropleado-deve-ser-socorrido-por-motorista.jpg>. Acesso em: 23 abr. 2021.

8 comentários:

  1. Kkkkkkk Vc é demais Novais!! Adorei!! Bjosss. Rosa 🌹 Tunes

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  2. Luiz Serrano, conheci muito. Sua esposa Otilia foi amiga da minha mãe. Seu irmão Louro, abusava no etílico. Ja presenciei brigas ferrenhas de ambos. Ótimos pedreiros. Seu Luiz construiu o banheiro de casa e houve um problema, vó Lindaura disse,seu Luiz eu estava com medo de falar com o senhor. Que nada dona Lindaura,a senhora poxe até mostrar a Deus. Vó Lindaura,ficou nos cascos. Que bom resgatar figuras icônicas da nossa cidade. Chiquinho ja prefeito da nossa Cidade sempre fez questão de falar comigo quando eu passava ferias. Quando ele foi acometido da famigerada doença e retornava de Brasília por ocasiao do tratamanto,havia um palco montado para o São Joao. Foi feita uma homenagem a ele. Ba deu uma rosa a ele. Ele agradeceu. E ao me ver na platéia tambem me agradeceu. Elissima cronica poeta.

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  3. Kkkk, muito engraçado, valeu Novais, abraço

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  4. Tive a honra de receber o voto dele.

    Numa plenária do nosso mandato , ele disse:

    Quero que o edil saiba que o meu sufrágio será vosso de novo.


    E um convidado me pergunta, baixo:

    O q é sufrágio, pelo O amor de Deus, Benilson?

    Respondi, é o voto!
    Kkkkk

    Muito bom.


    Valeu poeta!

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  5. Figura sensacional! Tudo muito hilário!
    Parabéns Novais!
    Obrigado! Abraço!

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Às vezes, a vida nos surpreende tão imponderavelmente que nem mesmo o mais invulnerado coração pode p rever e prevenir-se de algo que não de...