sexta-feira, 2 de abril de 2021

Eta celularzinho fofoqueiro e mentiroso!

Dia desses, estava eu no ponto de ônibus do Condomínio Solar Boa Vista, no Engenho Velho de Brotas, na capital baiana, juntamente com uma conhecida, que não vou dizer o nome, evidentemente, à espera da tão preciosa e demorada condução. Ela, por certo, para minimizar a chateação da espera, falava despreocupadamente ao celular. E como falava!

Andava para um lado, para o outro, cumprimentava alguém que chegava e dava um verdadeiro show de acrobacia com aquele aparelhinho: levava ao ouvido, levava à boca, era aquele lá e cá que chamava atenção e ela “nem aí pra nada”. Continuava “na dela”, com o “desconfiômetro” desligado. Ora falava alto, ora bem baixinho, como se segredasse. E o infindo diálogo prosseguia animado.
 
Foto: Reprodução / Internet. Vide nota no final.
Eis que chega o tão esperado buzu. Umas três pessoas correram para entrar naquele veículo, inclusive eu e ela, por coincidência. Dei-lhe passagem. Ela subiu primeiro e, logo depois, fiz o mesmo. Que gentileza errada! Minha conhecida, com o celular ao ouvido, apoiado no ombro, tenta pegar dentro de uma gigantesca bolsa que transportava, certamente, uma bolsa menor. E achou. Agora, era procurar dentro dessa bolsinha, o lugar onde estavam as moedas. E encontrou também. Milagre!

Com a bolsinha na mão, retirou dela um porta-moedas, pegou o dinheiro de dentro, colocou na mesinha do cobrador e começou a contar as moedinhas. Quem estava depois de mim, logo começou a resmungar, e ela, falando ao celular, sorrindo, fingia que nada estivesse acontecendo. A pista, como é bem sinuosa naquele local, o ônibus jogava-nos ora para um lado, ora para outro, como se fôssemos charuto em boca de bêbado. Pacientemente esperei, afinal, haveria de compreender que ela “não teve tempo” de contar as “niquinhas” enquanto estava no ponto à espera do ônibus.

Situações como esta não são uma exceção, confirmam a regra. É o que mais se vê, como também vemos muito por aí, o que fez meu colega de trabalho, Nilsolândio. Outro dia, chegando ao batente, lá vinha Nilso (mais fácil de pronunciar) em minha direção, a falar. Quando estava bem próximo dele, perguntei o que era. Ele aponta o polegar para si, aparentando falar consigo mesmo. Nada entendi, pois nem os fios nem o fone de ouvido eu os havia percebido. Só vi um “maluco” a conversar sozinho como tantos e tantos outros que encontramos pelas ruas desta tresloucada metrópole a usar o bluetooth.

Como disse, não é só ele que assim se comporta, coisas piores acontecem quando alguém está conversando ao celular, desde contar a mais “simples mentirinha” a encenar, em teatro sem plateia, “telebrigas” infindas. Foi num cenário desses em que me vi inserto ao tomar um coletivo na Av. Paralela com destino a Estação da Lapa, aqui em Salvador.

Sentei-me, naquela ocasião, bem tranquilamente, ao lado de uma moça que lia um volumoso livro, talvez para “encurtar” a viagem ou mesmo pelo prazer da leitura. Ou pelos dois motivos. Nada tão incomum em situações similares.

A viagem seguia sem anormalidades, quando o celular dela tocou. A moça o atende e aí acabou a minha paz, a nossa paz, digo melhor: o silêncio dentro daquele coletivo. É que ela começou um daqueles bate-papos em voz alta, a expor a própria vida, sem um mínimo de pudor, que deixou a todos constrangidos e boquiabertos sem acreditar no que ouvíamos. Como não havia outro lugar vago para me mudar, fiquei ali mesmo, tentando desviar o pensamento e doído para chegar ao ponto da Arena Fonte Nova, que fica antes da Estação da Lapa, para descer.

Nesse ínterim, creio que o interlocutor lhe perguntou onde ela estava, ao que respondeu, enfática: “Já estou na Lapa, meu bem, aguarde, por favor!”. Tomei um susto e, em voz alta, pensei, digo, questionei: “Oxe, aqui não é a Avenida Bonocô?”. A moça olhou para mim, espantada, botou o dedo indicador na boca, a pedir-me “silêncio!”. Em seguida, tapou o microfone do celular e me alertou com a cara séria, até de desespero: “Cala a boca, misera, é meu namorado, ele vai me matar”. E fez isso em voz alta!

E agora? Minha vergonha só aumentou, deu-me vontade de descer no primeiro ponto que surgisse, de tanto desconforto. Entrei na confusão sem ser chamado. Mas, não. Segui em frente e fiquei pensando como esse aparelhinho tem estimulado a mentira, desde a mais infantil até a mais deslavada, como se inverdade fosse algo tão natural, sem a mínima consequência, uma banalidade ou uma simples brincadeira. Nada tão grave.

Vivemos novos tempos, é sabido (e sentido). Tempos tecnológicos. Tempos em que, para os adeptos de inocentes mentirinhas, o celular, ao meu ver, os incentivou um pouco mais. Inversão de valores? Não. Algo, no entanto, pareceu-me patente, a olhos vistos: o celular banalizou a mentira! E quem dela já gostava, já tinha afinidade, só saiu a ganhar. Ganhar incentivo. E muito!

Nota: Foto disponível em: <https://atcaminhante.files.wordpress.com/2018/06/onibus-celular.jpg>. Acesso em: 2 abr. 2021.

8 comentários:

  1. Boa tarde Novais! Em que situação você entrou...tudo por se ligar na prosa alheia kkkk.
    Realmente esse aparelho polivalente substituiu muitos bons abraços reais, beijos reais..e ainda ajuda a mentir o estimuladoba isto. Vlew

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    1. Obrigado, meu amigo Raimundinho, pelo comentário. Abraço.

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  2. Muito Legal a história 👏👏👏

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  3. Meu amigo Novais, acometido por sincericidio, não percebeu a trama que se desenrolava por trás daquela cínica prosa.
    Mais é impressionante mesmo, o poder que possui este aparelhinho em potencializar a mentira.Talvez, esteja aí a razão, pela qual muitos de nós, se tornem tão manipuláveis.

    Parabéns amigo!, maravilha essa crônica relato. Ela nos faz refletir.
    Abraço!

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    1. Olá, meu amigo Bahia. Obrigado pelo expressivo comentário. Forte abraço.

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    2. Que fria heim moço!!! Kkkkkk

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  4. Parabéns, Novais! Bela crônica! Quando estou no ônibus costumo prestar atenção nas conversas das pessoas tambem.

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Historieta zodiacal

Às vezes, a vida nos surpreende tão imponderavelmente que nem mesmo o mais invulnerado coração pode p rever e prevenir-se de algo que não de...