Santa Maria da Vitória, seus causos incomuns, jardins e praças de nomes estrambóticos e risíveis. Confiram.
Sempre que conto para amigos ou colegas de trabalho algum causo relacionado a Santa Maria da Vitória ou mesmo falo de alguma peculiaridade da cidade, a reação vem em forma de gracejo na exclamativa frase: “Só podia ser em Santa Maria da Vitória ou Santa Maria do Triunfo”, diriam os apaixonados torcedores do Bahia, aliás, do Baêa, tão somente para não pronunciarem o nome do eterno (e necessário) rival, o Esporte Clube Vitória.
“Mas será o Benedito?!”. Será mesmo que estas coisas só acontecem na minha terra? Não! Não é verdade! Toda cidadezinha do interior tem suas figuras folclóricas, seus causos pitorescos, suas singularidades, enfim. Por outro lado, com toda franqueza, não estou totalmente convencido disso. Senão vejam o que por lá acontece.
A cidade já nasceu contrariando a lógica por capricho da topografia local: a Rua de Baixo fica na parte alta e a Rua de Cima, na parte baixa. Tudo isso por conta do sentido que corre o majestoso Rio Corrente, cortando a cidade, causando aparente contradição. De onde vem o rio, é Rua de Cima, e para onde vai, é Rua de Baixa, embora o relevo pareça mostrar o contrário. Por esta razão, lá se pode dizer, sem prejuízo à semântica: “subir para a Rua de Baixo ou descer para a Rua de Cima”.
Antigamente, dois tamarindeiros também já faziam essa diferença: o atual tamarindeiro (o do barco), perto da ponte Adão Souza, que liga Santa Maria da Vitória a São Félix do Coribe, era chamado tamarindeiro de cima. Outro, também na beira do rio, que ficava no fundo da casa de Manoel Bodeiro, onde é hoje o Jardim Fifa, em frente à Associarte Santa Maria, era o tamarindeiro de baixo.
Tamarindeiro de Cima. Foto (esq.): Rosa Tunes / Tamarindeiro de Baixo. Foto (dir.): Autor desconhecido. |
Alto da Lavandeira com casas onde é hoje o Jardim Fifa. Foto (esq.): IBGE. Foto (dir.): Desconhecido. |
Vistas antiga e atual do Jardim Fifa. Fotos: Acervo do autor. |
Vistas antiga e atual do Jardim Fifa. Fotos: Acervo do autor. |
Logo após a construção daquela praça, a turma futeboleira para lá se deslocava, à noite, a fim de bater papo e ouvir transmissão de jogos e resenhas esportivas feitas pelas rádios Globo, Bandeirantes, Inconfidência de Minas e a Sociedade da Bahia. Vitor da Costa Neto (irmão de Nini de Paulo Soares, conhecido por Neto), espirituoso e mestre em pôr apelido, começou a chamar o local de Jardim Fifa em alusão àquele organismo esportivo. E o apelido pegou, ficando conhecido até nossos dias.
Quanto a outro episódio que vale a pena narrar, quem nos conta é o conterrâneo Clodomir Santos de Morais, advogado, sociólogo e escritor, no seu livro Conto Verossímeis I. Conta Morais, que Santa Maria foi palco, no final do século antepassado, da separação de dois gêmeos, Pedro e Miguel, que nasceram unidos à altura dos quadris, feita por uma parteira e “cirurgiã” leiga, Sabina Parto Bom.
Além destas e de outras curiosidades, há na cidade um jardim, cujo nome — ao olhar das mentes mais imaginativas — vem da “semelhança” (formato triangular com plantas no centro) que originalmente trazia do órgão genital feminino, na forma chula ou popular, como dizem os dicionaristas, no modo diminutivo: Jardim Bucetinha, localizado na Praça Joaquim Queiroz, que já foi Largo Capitão Joaquim Queiroz.
Vistas do antigo Largo Cap. Joaquim Queiroz. Fotos: Acervo do autor. |
Vistas do Jardim Bucetinha (debaixo e de cima). Fotos: Novais Neto. |
O estapafúrdio apelido ficou tão popular que o logradouro passou a ser conhecido como Praça do Jardim Bucetinha, para reprovação dos mais pudicos, de quem nela mora e, logicamente, dos descendentes do homenageado. Hoje, estão a chamá-lo de Jardim de Tezinho, porque lá, Walter Galhardo (Tezinho Alfaiate) tem um pequeno bar. Ninguém, no entanto, se esquece que o apelido é outro. Tal praça foi pavimentada no primeiro mandato do prefeito Rolando Laranjeira Barbosa (1962–1965).
Outro jardim, bem mais popular e muito famoso, é conhecido por Jardim Jacaré, cujo nome o ilustre santa-mariense, ex-prefeito (1960–1961), dentista e professor, de saudosa memória, Dr. Leônidas Borba se recusava a assim chamá-lo. Quando se referia ao logradouro onde ele está localizado, dizia Praça do Réptil, nunca, Praça do Jacaré, para mostrar total desaprovação ao apelido dado ao logradouro, pois não poderia admitir, jamais, que um desconhecido jacaré houvesse “engolido” o nome de seu amigo, o ex-senador e ex-governador baiano, Luiz Viana Filho, que emprestou nome à praça.
Antigo Jardim Jacaré (déc. 1980). Foto (esq.): Novais Neto; Foto (dir.): Hermes Novais. Acervo do autor. |
Antigo Jardim Jacaré (déc. 1980). Fotos: Novais Neto. Acervo do autor. |
Jardim Jacaré. Foto (esq.): Reprodução / Facebook / Rita de Cássia Oliveira; Foto (dir.): Rui Lisboa. |
A Praça do Jardim Jacaré ou Praça do Réptil, como quer Dr. Leônidas, é bom registrar, foi presenteada com duas belas esculturas de “dinos”, em ferro, os Mallerossauros, feitas pelo multiartista Chico Mallero, além de jacarés e sapos a contemplarem sua fonte luminosa.
Tudo isso, no entanto, é fichinha, como diríamos ironicamente, se levarmos em conta que nossa Santa Maria inventou, agora, de considerar ao pé da letra a frase corrente “dobrar esquina”, quando se quer dizer que alguém contornou uma esquina de uma rua qualquer. E há uma explicação para isso.
Quase todo final de ano, Carneirão e Ito de Ponciano promoviam um Carnaval fora de época, algo como uma Micareta. A cidade já festeja, no tempo certo, seu tradicional Carnaval. Mas festa... Festa nunca é demais! É o que pensam muitos.
No entanto, para que a Micareta se realize, algo de extraordinário acontece na Rua Teixeira de Freitas, por onde passa imenso trio elétrico arrastando animada multidão. No início da citada rua, esquina com a Juraci Magalhães, onde ficava a Eletromóveis Janaína, de Nissão, normalmente, o enorme caminhão do trio não passaria, pois não haveria como fazer a curva.
Aí então o extraordinário, o irreal acontece: a calçada e a marquise da loja de Nissão têm que ser cortadas bem rentes à parede, para que o ingente monstro sonoro possa passar, “tirando fino”. Isso acontece quase todo ano, anos a fio. E por muito tempo, as marcas comprobatórias do improvável ficam lá, à mostra, para quem quiser conferir o inimaginável ou dele duvide.
|
Além disso, e por fim, “dobrar uma esquina”, na minha terra — está definitivamente comprovado — não é mera figura de linguagem. Lá, em Santa Maria da Vitória, esquina se dobra na marra, à força, a marretadas, literalmente, para o trio elétrico passar e a festança acontecer. Viram só?!
Outras fotos: Reproduções / Google / Maps
Jardim Bucetinha. Disponível em: <https://www.google.com.br/maps/@-13.3934707,-44.196408,20z>. |
Jardim Bucetinha. Disponível em: <https://www.google.com.br/maps/@-13.3934707,-44.196408,20z>. |
Agradecimentos: Registro meus agradecimentos a Antônio Washington, Jair Queiroz e Tião Pedreiro (falecido em 2019), por terem reavivado algumas lembranças minhas dos temos de menino.
Em tempo: Esta crônica já foi publicada no Recanto da Lestras com o título de “A Praça do Réptil e outros bichos”, em 21/12/2013. Hoje está sendo republicada aqui no blog, revista, ampliada e ilustrada. Disponível em: <https://www.recantodasletras.com.br/cronicas/4620223>. Acesso em: 17/4/2020.