Apresento nesta crônica pretenso prefácio que fiz para a segunda edição do livro de poesia “O amor e a sociedade”, de Clodomir Santos de Morais, em 2011. Confiram.
Clodomir Morais, O amor e a sociedade. São Paulo: Tipografia Helius, 1950. |
Neste livro, “O amor e a sociedade”, você vai conhecer um Clodomir Morais diferente, surpreendente, lírico, indignado, e sobretudo, poeta, na essência do termo.
Prefácio à segunda edição de “O amor e a sociedade”
Nessa época, precisamente, em 1971, ingressei no Ginásio Comercial de Santa Maria da Vitória, que mudou para Centro Educacional Santamariense, depois de ter sido aprovado em Exame de Admissão, algo semelhante a um vestibular do Curso Primário.
Situado, assim, no tempo e no espaço, lembro-me de que minha mãe, Jandira Almeida Neves, especialmente ela, me falava muito de Morais, certamente, por ter sido ele compatrício, contemporâneo e amigo de Osias Afonso de Almeida, irmão dela, portanto, meu tio, que o acolheu em São Paulo. Foi assim que “conheci” Morais. Só tempos depois, vim a conhecer Clodomir Santos de Morais, Clodomir Morais ou simplesmente Morais: o escritor, advogado, sociólogo, cientista político, o cosmopolita.
Osias Almeida. Foto: Pinheiro Filho (SP, 1946). |
Morais, aquele jovem inteligente, lutador, visionário, comunista convicto, que os reacionistas da época preferiam tachá-lo de subversivo, saiu de Santa Maria da Vitória, ainda muito novo, para São Paulo e, daí, para Pernambuco. Em seguida, em consequência de seus ideais e de perseguições políticas, partiu para longo exílio. Partiu para o mundo. Esta é, portanto, parte da história que muitos sabemos. É o que meus pais e Milton Borba, seu ex-colega do Curso Primário, me contavam.
Anos depois, no final de 1979, quando a Anistia era fato consumado, Morais retornou a Santa Maria da Vitória. Eu estava lá, na Praça do Jacaré, vivendo, juntamente com muitos santa-marienses, um dia de muita alegria: o retorno do, agora, filho ilustre, cidadão do mundo, um homem que se pôs acima da dor.
Na década de 1980, eu morava na Casa do Estudante de Santa Maria da Vitória, em Salvador, onde tínhamos a Biblioteca Osório Alves de Castro, que havia sido presenteada por Morais com mais de 600 livros, alguns bem raros, que ele nos mandou da Nicarágua. Foi lá, lendo cópias de jornais antigos, encadernados, que tomei conhecimento de um Morais diferente, um Morais poeta, algo inimaginado. E conheci, logo, o belíssimo e romântico soneto decassílabo, “Morta”, típico da Terceira Geração Romântica brasileira. Foi um susto para mim, pois jamais havia pensado.
Soneto para Raul Coimbra (Seu Quinca). 1948. |
Em 1988, publiquei meu primeiro livro, “Flutuando na areia”, em prosa e verso, e mandei um exemplar para meu conterrâneo. De volta, recebi longa carta falando não só dos meus escritos, mas de Osias Almeida, seu amigo. Trechos desta missiva publiquei em dois dos meus livros.
Quanto à arte de, efetivamente, fazer versos, de Morais, só muito depois, na década de 1990, é que Joaquim Lisboa Neto (Kinkas) apresentou-me o livro “O amor e a sociedade”. Li avidamente todo o exemplar, viajei num mundo jamais imaginado por mim, mas idealizado por Morais. Os sonetos, com dez sílabas poéticas, a maioria, típicos de “Os Lusíadas”, de Luís Vaz de Camões, são de uma beleza singularíssima: sonoros, como palavras poéticas, postas nos lugares certos, ritmados. Sonetos, verdadeiramente, na essência do termo.
Uma das poesias de Clodomir prendeu-me, logo à primeira leitura, a atenção: “A loira e a lei”. Decorei quase que instantaneamente e passei a declamá-la. Dentre muitos e muitos outros, igualmente belos, este é de um bom humor impagável. Os poemas livres de Morais são uma aula da arte de versejar: “Tarde demais”, “Os dois corações”, “Saudades” e “Os cinquenta e dois mil nordestinos”, que narra a saudade da terra natal e a dor do nordestino em terras paulistas.
Jornal A Nova Idéia onde foi publicado o soneto “Morta” para Quinca Coimbra. 1948. |
O soneto “Meu pai” é o poeta expondo sua dor ante a morte do seu herói, Antônio Lisboa de Morais. Muitos outros poemas eu poderia citar. Não o farei, entretanto, deixo para você, caro leitor, saborear “O amor e a sociedade”, um livro verdadeiramente atual, que mostra as dores e as venturas dos amores e das sociedades de ontem, tão presentes em nossos dias, vide poema “A China”, que ilustra a contracapa deste belíssimo livro: o primeiro de Morais, quando o poeta ingressou na Academia de Letras da Cidade de São Paulo, em 1950.
Aniversário da Philarmônica 6 de Outubro. 2014. Foto: Acervo pessoal. |
Clodomir Morais e Novais Neto. 2014. Foto: Rosa Tunes. |
O amor e a sociedade. 2. ed. (Santa Maria da Vitória: Gráfica Real, 2011). |
Salvador (BA), Primavera de 2011.
Novais Neto
Poeta e cronista santa-mariense
A loira e a lei
Novinha, todavia muito astuta;
Desejo até fazer uma permuta
Por uma jovem experimentada.
Desvaneci e resultou em nada;
Agora segurou. É uma luta!
Por mais que falo, falo, não me escuta,
Parece que não quer ser despejada.
Meu coração tornou-se meu rosário
De desgostos com este locatário,
Que me obriga travar um pugilato.
Diz ela ser direito que lhe cabe;
Contudo, vou acreditar, quem sabe
O seja nova lei do inquilinato.
(MORAIS, Clodomir Santos de. O amor e a sociedade. 2. ed. Santa Maria da Vitória: Gráfica Real, 2011. p. 34, 114 p.)
Nota: Clodomir Santos de Morais nos deixou em 25/3/2016, aos 87 anos, em Santa Maria da Vitória (BA).
Referências:
CLODOMIR SANTOS DE MORAIS. Disponível em: <https://www.recantodasletras.com.br/homenagens/4168400>. Acesso em: 24 dez. 2020. (Texto adaptado publicado no site Recanto das Letras em 2/3/2013).
PREMIADOS 1962. Disponível em: <https://www.premiojabuti.com.br/premiados-por-edicao/premiacao/?ano=1962>. Acesso em: 19 fev. 2021.