Notícia de morte nunca é algo bom, principalmente se for de alguém muito próximo e querido. Leiam e vejam se tenho razão.
Setembro, mês da quermesse de Santa Virgem das Vitórias, padroeira da cidade, ano de 2017, eu estava em Santa Maria da Vitória a rever familiares e amigos. Ao voltar dos costumeiros passeios vespertinos, no lusco-fusco, já na casa de meus pais a saborear um delicioso prato de sopa, chega Hermes, meu irmão, com uma notícia que nos deu assim, sem arrodeios, “na lata”, como se diz:
— Soube ali que Zé de Vicente morreu — e ainda detalhou:
— Disse que ele vinha de bicicleta lá pros lados da AABB, teve um desmaio, bateu a cabeça num poste e morreu.
Ficamos todos perplexos e consternados a lamentar a perda do amigo querido, conhecido desde os tempos de menino, uma vez que os quintais de nossas casas, sem cerca ou muro, na Rua Teixeira de Freitas, ficavam bem próximos. E assim, logo que terminei a refeição, desci para a praça, local onde poderia ter mais detalhe do triste ocorrido.
Antes de chegar propriamente ao Jardim Jacaré, na referida praça, parei na calçada da casa de Belaísio Cruz onde estavam a papear, Mena, Idailde, Lurdinha e Luiz, este um pouco afastado, sem camisa, a exibir o peitoral sexagenário e a fazer caracóis de fumaça com seu inseparável cigarro. Mena me ofereceu uma cadeira, sentei-me e fui logo ao assunto que tanto me entristecera:
— Fiquei sabendo...
— ... da morte de Zé de Vicente — Mena me interrompeu e completou minha fala.
— Bem isso mesmo — confirmei.
— Pois é, Nó, me falaram também isso. O estranho é que a irmã dele, Maria, e Véi de Ponciano, muito amigo dele lá da Igreja, passaram aqui e não disseram nada. Passaram bem tranquilos e cumprimentaram a gente. Será que eles não sabiam ou não quiseram falar?
— Quem sabe... — respondi laconicamente.
Nesse ínterim, chega minha prima Keila de Dina de Rui Cruz com a filhota nos braços e dá a mesma notícia:
— Gente, fiquei sabendo ali, agora, que Zé de Vicente morreu e que o velório tá sendo na casa dele. Coisa triste, né, gente! Zé tocava quase todos os domingos nas missas da Igreja. Muito novo ainda, pessoa do bem, homem trabalhador, gente boa! Uma pena!
E ficamos ali, entristecidos, contemplativos, sem saber o que falar, quando propus irmos até a casa de Zé de Vicente. Não sabíamos onde ficava exatamente, mas era lá para as bandas do clube do Banco do Brasil, a AABB. Luiz, que estava de carro, topou e fomos todos nós. Entupimos o automóvel dele.
Procura ali, procura acolá, encontramos o esconderijo de Zé. Rancho modesto: uma pequena área na frente, uma porta, uma janela e um portão num corredor. Tudo na mais absoluta paz e sem qualquer sinal de luz na casa. Nada na rua indicava alguma anormalidade. Procuramos um e outro nas cercanias e ninguém sabia informar nada. Resolvi fazer outra proposta a Luiz:
— Já que estamos aqui, de carro, porque não vamos no Hospital da Sambaíba? O corpo ainda deve estar por lá. E lá é que fica a Polícia Técnica.
Luiz de Belaísio, mais uma vez, aceitou e fomos todos para o Hospital Dr. José Borba. Ao chegarmos, tudo estava bem calmo, apenas um rapazote em pé na porta de entrada. Isso era mais ou menos umas 9 horas da noite, e Mena foi logo questionando:
— Seu homem, cê sabe dizer se alguém morreu aí hoje?
— Morreu. Foi Zé de Vicente.
— Eu num falei? Bem eu disse! Morreu mesmo! — reafirma Mena.
— Daquelas grades — apontando para o local — a gente pode ver o corpo dele na bancada, mas só amanhã de manhã é que pode levar ele pra casa pra fazer o velório — completou tristemente o jovem.
— Esse Zé de Vicente é um que toca violão na Igreja e tem uma bicicleta Caloi? – insisti, dando-lhe mais detalhes.
— Isso mesmo — confirmou o moço.
Todos dentro do carro já satisfeitos com as respostas, queriam voltar logo para a praça e continuar a investigar e a lamentar a dolorosa perda.
— Você é o que dele, meu amigo? — perguntei-lhe.
— Sou filho.
Foi aquela comoção dentro do veículo. Meus amigos começaram a expressar palavras de conforto ao solitário jovem, que respondia a todos a demonstrar dor na voz pela perda do ente querido. Eu também fiz o mesmo. Voltamos para praça e, no trajeto, comentei:
— Pelo visto, esse aí deve ser outro Zé de Vicente. O Zé de Vicente que conheço, até onde sei, não tem nenhum filho, nem desmaiava. Essa história tá muito mal contada. Sei não!
Zé de Vicente na Igreja Matriz e na residência de Adriano Daltro. Fotos: Acervo de Zé de Vicente. |
— Que história foi essa, Zé? Ficamos sabendo aqui que você tinha abotoado o paletó.
Zé de Vicente abriu aquele imenso sorriso, sincero e franco, como é de costume, e contou como ficou sabendo que ele havia “morrido”:
— Moss, na ocasião, eu tava em Brasília no apartamento de compadre Messias e comadre Regina e aí minha irmã Maria me ligou, nervosa, pra saber se tinha acontecido alguma coisa comigo. Eu disse que não, que tava tudo em paz — e prosseguiu:
— Engraçado foi quando desci do ônibus na Rodoviária daqui, já era noitinha, mei escuro e, a caminho de casa, um cara tomou um susto disgramado quando me viu. Afastou um pouco de mim e falou assim mei cismado, zoião regalado, quereno abrir o pé na carreira:
— Valei-me, Nosso Senhor Jesus Cristo! Cê num morreu, não, Zé?
— Morri. Morri. Quem tá falano aqui é o defunto Zé. E caímos na risada...
Zé é filho de Vicente Preto, músico da extinta Philarmônica Vitória, na qual tocava tarol e, na Philarmônica 6 de Outubro, era pratista. Zé é pedreiro, toca violão há quase 50 anos nas missas da Igreja Matriz e, serestas com os mais variados companheiros, dente eles, Seu Adriano, 96 anos. Além disso, Zé é um criativo artesão. Seu irmão mais novo, Binha de Vicente, é servente de pedreiro, e tocava bombo na Philarmônica 6 de Outubro e nos antigos carnavais de rua de Santa Maria da Vitória.
Adriano Daltro e Zé de Vicente. Foto: Arquivo pessoal/Edileuza Daltro. |
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Artesanias de Zé de Vicente. Arquivo pessoal/Zé de Vicente. |
Cabrito da Leopoldo era mestre em dizer q alguém tinha batido as botas...Êta, Santa Mariaaaa
ResponderExcluirOpa, já ouvi estas histórias de Cabrito mesmo. Abraço.
ExcluirExcelente , Novais!
ResponderExcluirRsrsrsrsrs. Que leitura gostosa de acompanhar ! Rsrsrsrrs
ResponderExcluirOi, Erica. Que bom que tenha gostado. Obrigado.
ExcluirJá pensou, você andando por aí e da de cara com o defunto!! Se for hipertenso o outro é que bate as botas. Abcs.meu amigo!
ResponderExcluirRSRSRS. Não quero nem pensar... Abraço.
ExcluirEssa morte não morrida é bom de viver. Rsrs.
ResponderExcluirSem dúvida. A verdadeira é coisa complicada. Abraço.
ExcluirEsta crônica trouxe à memória, uma peça portuguesa, dirigida por mestre Iozinho: Almas do outro mundo, ou o defunto vivo. A filha de dona Zazinha, Jorge de Zifina e eu,fizemos parte do elenco. Joãzinho de dona Rosa
ResponderExcluirOlá, Joãozinho, agora você clareou minha mente. Lembro-me dessa peça. Obrigado. Abraço.
ExcluirZé está tocando na igreja e vivinho.rsrs. Essas informações atualmente são chamadas de fake news. Abço
ResponderExcluirIsso mesmo, meu amigo Raimundinho. Abraço.
ExcluirAqui me deliciando com os seus contos, ainda bem q ele continua vivinho tocando na igreja.Um grande abraço meu amigo!
ResponderExcluirObrigado. Que bom que Zé esteja aí para confirmar a história. RSRSRS. Abraço.
ExcluirGrande amigo ,Zé do violao.... eu ainda morava em Samavi e a noticia da morte correu solta....uma alegria saber que este Zé,a quem admiro tanto ,grande tocador ,continua encantando com seus acordes ,..minha mae,Maria de Nelito,cantava nas missas e novenas da Leopoldo e Ze sempre acompanhando...
ResponderExcluirCaramba Joãozinho, que mente boa, foi muito divertida. Nem lembrava mais. Abraço.
ResponderExcluirParabéns meu amigo Novais
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEita Samavi fornece historias p cronicas! Mais um belo texto!
ResponderExcluirVai fornecendo e vamos registrando. RSRSRS. Obrigado. Abraço.
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