O casamento foi tradicional, mas os acontecimentos dentro daquela pequena igreja escaparam da normalidade. Confiram e divirtam-se.
Desculpem-me pela insistência, mas aquele enlace não oferecia qualquer vestígio para escapar à normalidade, não fossem as presenças de duas figuras “opostas pelo vértice”, em se tratando de conduta. Porém, bem próximas num gosto: ambas saboreiam com singularidade a nossa conhecida cervejinha. Refiro-me às presenças de um bêbado e um vigário em um casamento.
Ao chegar à Igreja Matriz de São Francisco de Assis, lá pelos idos de 1990, em São Félix do Coribe, jovem e progressista município baiano, às 10h30, a pressupor que estivesse bem atrasado, vez que a cerimônia estava marcada para 10 horas. Mas, não. Para sorte minha, havia — como eu — muita gente não britânica que também fez o mesmo. Dentre essa gente, estava justamente os protagonistas daquele esperado acontecimento: os nubentes Weima e Dilson.
Na igrejinha, modesta, arrumada com extremo bom gosto, ainda faltavam flores e fitas brancas que deveriam ficar em toda a extensão do corredor formado pelos bancos e neles afixadas. Entre os convidados estava eu. Não que pertencesse à fina-flor, mas por ser amigo da noiva. E fui eu, justamente o escolhido para providenciar uma tal fita adesiva para afixar as flores nos bancos. Não consegui. Também — a confessar a verdade — enrolei um pouco e outra pessoa o fez mais rapidamente.
Por fim, tudo estava pronto. E no capricho. Entramos na capela, acomodamo-nos e ficamos por ali à espera do padre, ansiosos. Não demorou muito e apareceu o jovem e risonho vigário José Domingos ou simplesmente Zé Domingos (de saudosa memória), como era tratado de modo informal.
O discípulo de Jesus, sempre a sorrir, cumprimentou a todos e, antes de dar início à solenidade matrimonial propriamente dita, lá do fundo da Igreja, na última fileira de bancos, quase escondido, alguém quis fazer-se notado, e disse alto e bom som:
— Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!
— Para sempre seja louvado — responderam alguns gatos pingados a esboçar sorriso.
Era Ninho, figura conhecidíssima, mais ou menos grogue certamente após haver ingerido algumas doses da famosa aguardente bananinha de Correntina ou daquela amarelinha, fermentada em cocho de umburana, de Coribe. Ou, sabe se lá, da boa pinga do Brejão, de Santa Maria, ou até mesmo algumas cervejinhas, não importa. Ninho fez-se notado, e isso é o que interessa.
Susto, indignação, surpresa, foi o que se viu nos semblantes dos presentes. Porém, o que nos deu mesmo foi uma incontrolável vontade de sorrir, principalmente porque o ambiente não permitia (é sempre assim!) e tivemos que a sufocar os teimosos risos a qualquer custo, o que foi feito a duras penas.
Olhei para o padre e observei, bem no canto da boca, torta para um lado, um sorriso maroto, contido. Mesmo assim, continuou bem sereno, sem ser sisudo, como se nada daquilo tivesse importância alguma. Detidamente, olhou-me. Balançou suave e discretamente a cabeça como a exclamar consigo mesmo:
— Mas como é que pode uma coisa dessa?!
A solenidade, sem demora, teve início de forma convencional: Zé Domingos, o sacerdote, começou a falar sobre o casamento e — repentinamente — mudou de ideia para assombro dos presentes.
— Bem, como poderia eu falar sobre conúbio, sobre matrimônio, se o que sei se limita ao que tenho lido nas Escrituras Sagradas? Ao que tenho estudado em livros que tratam do assunto? Não. Não me parece uma atitude sábia teorizar sobre o casamento se estou entre pessoas que sabem muito, mas muto mais do que eu. E o sabem por experiência própria, por experiências diuturnas!
Neste momento, o discípulo de Cristo escolheu dentre os presentes dois casais: um mais velho, mais experiente, e outro mais novo, além dos pais da noiva e do pai do noivo, já que a mãe dele não estava presente, convidando-os a contarem suas experiências conjugais.
O primeiro casal, pais da nubente Weima, o ex-policial militar Magalhães e Mazinha, deu seu depoimento. Zezé Escorrega e Mena de Belaísio Cruz falaram da experiência de meia dúzia de anos de vida a dois, quando Zezé, que não desgruda de um radinho de pilhas para escutar os jogos do seu glorioso Botafogo, valeu-se de gírias antigas (ou cafonas, sendo coerente) para arrematar seu pensamento sem escorregar em palavras ditas bem pausadamente, na maior malemolência:
— Casamento é isso aí, meu chapa! Morou?
“Moramos sim, Zezé”, pensei cá comigo. E àquela altura, o evento nem parecia uma cerimônia religiosa. Estava na maior descontração, movido por um sem-fim de papos triviais, momento em que o senhor vigário, bem sério, virou-se para nós e disse:
— Agora é comigo, meus amigos. Enquanto levo um papo com os noivos, vocês aí da galera podem conversar um pouco. Fiquem à vontade! Mas sem algazarra — advertiu.
Mais uma vez aquele senhor surpreendeu a todos ao simplesmente sentar-se num dos degraus do altar, de frente para nós. Já os noivos acomodaram-se em duas cadeiras logo à sua frente.
Terminado aquilo que poderia ser chamado sermão ou simplesmente conselhos, levantaram-se os noivos, levantou-se o padre, que nos falou brevemente sobre o matrimônio, e deu início à consumação do fato — a esperada troca de alianças. E consequentemente o ósculo, é óbvio.
Novamente Ninho, lá do fundo da igreja, veio dar sua contribuição, talvez por ter percebido que o fotógrafo, Seu Neném, deixara passar um ótimo flagrante, não tendo registrado o singularíssimo momento em que o padre se sentou nos degraus do altar.
No exato instante da troca das alianças, Ninho caprichou no “português ao alcance de todos”, precavendo-se de algum vacilo do fotógrafo:
Era Ninho, figura conhecidíssima, mais ou menos grogue certamente após haver ingerido algumas doses da famosa aguardente bananinha de Correntina ou daquela amarelinha, fermentada em cocho de umburana, de Coribe. Ou, sabe se lá, da boa pinga do Brejão, de Santa Maria, ou até mesmo algumas cervejinhas, não importa. Ninho fez-se notado, e isso é o que interessa.
Susto, indignação, surpresa, foi o que se viu nos semblantes dos presentes. Porém, o que nos deu mesmo foi uma incontrolável vontade de sorrir, principalmente porque o ambiente não permitia (é sempre assim!) e tivemos que a sufocar os teimosos risos a qualquer custo, o que foi feito a duras penas.
Olhei para o padre e observei, bem no canto da boca, torta para um lado, um sorriso maroto, contido. Mesmo assim, continuou bem sereno, sem ser sisudo, como se nada daquilo tivesse importância alguma. Detidamente, olhou-me. Balançou suave e discretamente a cabeça como a exclamar consigo mesmo:
— Mas como é que pode uma coisa dessa?!
A solenidade, sem demora, teve início de forma convencional: Zé Domingos, o sacerdote, começou a falar sobre o casamento e — repentinamente — mudou de ideia para assombro dos presentes.
— Bem, como poderia eu falar sobre conúbio, sobre matrimônio, se o que sei se limita ao que tenho lido nas Escrituras Sagradas? Ao que tenho estudado em livros que tratam do assunto? Não. Não me parece uma atitude sábia teorizar sobre o casamento se estou entre pessoas que sabem muito, mas muto mais do que eu. E o sabem por experiência própria, por experiências diuturnas!
Neste momento, o discípulo de Cristo escolheu dentre os presentes dois casais: um mais velho, mais experiente, e outro mais novo, além dos pais da noiva e do pai do noivo, já que a mãe dele não estava presente, convidando-os a contarem suas experiências conjugais.
O primeiro casal, pais da nubente Weima, o ex-policial militar Magalhães e Mazinha, deu seu depoimento. Zezé Escorrega e Mena de Belaísio Cruz falaram da experiência de meia dúzia de anos de vida a dois, quando Zezé, que não desgruda de um radinho de pilhas para escutar os jogos do seu glorioso Botafogo, valeu-se de gírias antigas (ou cafonas, sendo coerente) para arrematar seu pensamento sem escorregar em palavras ditas bem pausadamente, na maior malemolência:
— Casamento é isso aí, meu chapa! Morou?
“Moramos sim, Zezé”, pensei cá comigo. E àquela altura, o evento nem parecia uma cerimônia religiosa. Estava na maior descontração, movido por um sem-fim de papos triviais, momento em que o senhor vigário, bem sério, virou-se para nós e disse:
— Agora é comigo, meus amigos. Enquanto levo um papo com os noivos, vocês aí da galera podem conversar um pouco. Fiquem à vontade! Mas sem algazarra — advertiu.
Mais uma vez aquele senhor surpreendeu a todos ao simplesmente sentar-se num dos degraus do altar, de frente para nós. Já os noivos acomodaram-se em duas cadeiras logo à sua frente.
Terminado aquilo que poderia ser chamado sermão ou simplesmente conselhos, levantaram-se os noivos, levantou-se o padre, que nos falou brevemente sobre o matrimônio, e deu início à consumação do fato — a esperada troca de alianças. E consequentemente o ósculo, é óbvio.
Novamente Ninho, lá do fundo da igreja, veio dar sua contribuição, talvez por ter percebido que o fotógrafo, Seu Neném, deixara passar um ótimo flagrante, não tendo registrado o singularíssimo momento em que o padre se sentou nos degraus do altar.
No exato instante da troca das alianças, Ninho caprichou no “português ao alcance de todos”, precavendo-se de algum vacilo do fotógrafo:
Troca de alianças. Foto: Acervo do casal. |
— É agora, Neném. É agora, Neném. Pau, Neném! Pau, Neném! Pau! Pau! Pau!
E insistiu...
— De novo, Neném. Pau! Pau! Pau!
Nada mais havia de sério daí para frente. Todos, inclusive o vigário, rimos à beça. E Ninho virou motivo da festa!
Por fim, dados os oportunos cumprimentos, feitas as indispensáveis fotos, assinado o livro de registro, dirigimo-nos para a casa dos pais da noiva, do outro lado do Rio Corrente, em Santa Maria da Vitória, no bairro do Malvão.
Para lá também foi o padre Zé Domingos, lambadeiro, que, como bom sujeito, sabe saborear uma “loira gelada”. Dançar lambada, febre da época, forró, rock e o que rolasse, com toda simplicidade clerical. Sem o exagero que algum ritmo pudesse sugerir, claro.
Prosamos bastante. Falamos sobre coisas sérias e banalidades. E, vez ou outra, era interrompido por alguma dama convidando-o para “dar-lhe o prazer de uma página musical”. Outras vezes, por políticos que se confessavam surpresos, maravilhados e interessados em trazê-lo para Santa Maria, uma vez que o vigário alimentava pretensões políticas em São Félix do Coribe, o que não se concretizou.
Com muita simplicidade e “jogo de cintura”, o jovem e bom vigário conduzia o papo de modo a agradar gregos e troianos, sem se comprometer com absolutamente nada. Apenas ouvia e agradecia a todos.
Saí da casa dos pais da noiva lá pelas cinco horas da tarde, deixando para trás o sacerdote, ainda bebericando umas cervejinhas geladas, petiscando doces e salgadinhos e... Dançando! Dançando! Dançando! Diga-se de passagem, o que também fazia com boa ginga, singeleza e autocontrole.
E insistiu...
— De novo, Neném. Pau! Pau! Pau!
Nada mais havia de sério daí para frente. Todos, inclusive o vigário, rimos à beça. E Ninho virou motivo da festa!
Por fim, dados os oportunos cumprimentos, feitas as indispensáveis fotos, assinado o livro de registro, dirigimo-nos para a casa dos pais da noiva, do outro lado do Rio Corrente, em Santa Maria da Vitória, no bairro do Malvão.
Para lá também foi o padre Zé Domingos, lambadeiro, que, como bom sujeito, sabe saborear uma “loira gelada”. Dançar lambada, febre da época, forró, rock e o que rolasse, com toda simplicidade clerical. Sem o exagero que algum ritmo pudesse sugerir, claro.
Prosamos bastante. Falamos sobre coisas sérias e banalidades. E, vez ou outra, era interrompido por alguma dama convidando-o para “dar-lhe o prazer de uma página musical”. Outras vezes, por políticos que se confessavam surpresos, maravilhados e interessados em trazê-lo para Santa Maria, uma vez que o vigário alimentava pretensões políticas em São Félix do Coribe, o que não se concretizou.
Com muita simplicidade e “jogo de cintura”, o jovem e bom vigário conduzia o papo de modo a agradar gregos e troianos, sem se comprometer com absolutamente nada. Apenas ouvia e agradecia a todos.
Saí da casa dos pais da noiva lá pelas cinco horas da tarde, deixando para trás o sacerdote, ainda bebericando umas cervejinhas geladas, petiscando doces e salgadinhos e... Dançando! Dançando! Dançando! Diga-se de passagem, o que também fazia com boa ginga, singeleza e autocontrole.
Novais Neto assinando como testemunha, observado pelo Pe. José Domingos. Foto: Acervo do casal. |
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Familiares e do casal Weima e Dilson. Foto: Acervo do casal. |
Belaísio assinando como testemunha, tendo atrás de si a filha Idailde. Foto: Acervo do casal. |