O esquecimento e as inevitáveis consequências são quase sempre desagradáveis, mas há também as risíveis. Confiram e divirtam-se.
Justamente por conta do esquecimento, tão próprio do ser humano, é que existem em aeroportos, rodoviárias, locais públicos e até mesmo em jornais as seções de “achados e perdidos”. Nestes espaços se encontram de tudo, de uma cédula de identidade a objetos maiores; de muletas a dentaduras, como noticiado por determinado canal de TV, no metrô de São Paulo. Só não dá para acreditar que as muletas foram esquecidas pelo próprio usuário, a menos que tenha sido beneficiado por um milagre repentino ou algum delinquente se disfarçando de deficiente físico.
Quando se fala, portanto, de esquecimento, há episódios famosos, como do físico teórico alemão Albert Einstein, que “esqueceu” um cheque de mil e quinhentos dólares dentro de um de seus livros de estudo servindo como marcador de página, encontrado depois por uma empregada dele. Não se crê, entretanto, que tenha sido esquecimento, porém demonstração de indiferença que o gênio tinha por dinheiro. Por esta razão é que aspeei o verbo “esqueceu” no início deste parágrafo.
O Pensamento Vivo de Einstein. Martin Claret Editores, 1986. Acervo e foto: Novais Neto. |
— Já vi e já guardei. Não se preocupe!
Certa ocasião, quando morava na Casa do Estudante de Santa Maria da Vitória, cheguei mais cedo da faculdade e o almoço ainda não estava pronto. Cansado de esperar, acabei dormindo e só fui acordar lá para as três horas da tarde. Como costuma dizer minha mãe que sono alimenta, acordei sem fome, me arrumei e fui para o trabalho no Baneb, que começava às 16 horas. Quando lá cheguei e comecei meu batente, veio-me uma fome em hora pouco comum, inesperada. Só aí então é que caí na realidade: havia esquecido de almoçar. Imaginem! Ninguém acreditou. E virou motivo de gozação.
Este, em verdade, não é esquecimento comum, como também não é (será mesmo?) o de que foi vítima meu conterrâneo Tõi de Palu. Meu amigo é casado com a professora Sara e pai de três filhos. Toda manhã, quando as crianças ainda eram pequenas, ele saía para comprar pão e, eventualmente, levava uma delas. Determinada vez, depois de cumprir seu dever matinal, e já em casa, Sara o interpela:
— Tõi, cadê Raizinho?
— E eu sei lá, Sara. Quem sabe é você.
— Oxente, homem, cê num saiu com ele pra comprar pão?
— Vixe Maria! foi mesmo. Esqueci o menino na padaria — voltou correndo e o encontrou “guardadinho”, sentado numa cadeira, esperando pelo pai esquecido, na dele.
De todas as histórias de esquecimento que já me contaram, a de Fernando e Fernanda merece “cuidados médicos”. Os dois, certa feita, foram visitar um casal de amigos que não via, há pelo menos dois anos. Na última vez em que haviam encontrado, a esposa do seu amigo estava grávida, como também Fernanda, mulher de Fernando. Depois disso, marcaram e desmarcaram vários encontros e os filhos, aliás, as meninas, só cresciam. Até que não puderam mais cancelar o tão prometido e esperando encontro que — finalmente — iria acontecer.
E lá foram eles passar um descontraído domingo com o casal amigo: Fernando, Fernanda, o filho Matheus, um menino traquina de 9 anos, e Manuela, com pouco mais de 2 anos de idade, que ele queria que se chamasse Ferdinanda, mas a mãe, dona Nenzinha, na sabedoria dos seus 93 anos de idade, demoveu-o da ideia que contrapunha a da esposa, para evitar algum desentendimento.
Ao chegar à casa dos amigos, foram recebidos entusiasticamente por um poodle branquinho, saltitante e barulhento. Manuela, a Manu, como é tratada, com medo, procurou proteção paterna, saltando nos braços de Fernando. De repente, surge a filha do casal, uma danada menininha da mesma idade de Manu a correr alegremente atrás do irrequieto cãozinho, e Fernando exclama, maravilhado:
— Fernanda, olha como Vanessa está grandona! Tá maior que Manu. E por falar nisso, Fernanda, cadê Manu, será que ficou lá dentro do carro? Vai lá pegar ela depressa, mulher, pra ela conhecer Vanessa.
— Pegar o que, Nando? Assunta direito, homem de Deus, ó a menina aí nos seus braços. Tá ficando doido, é? Eta! marido esquecido, meu Deus! Quem guenta com isso, gente?!
Depois dessa, claro, tudo terminou numa gostosa gargalhada e infindáveis gozações. De uma coisa, no entanto, ficou uma certeza: deste episódio Fernando nunca vai se esquecer. Será mesmo?
Referência:
CLARET, Martin (Coord.). O pensamento vivo de Einstein. 5. ed. v. 1. São Paulo (SP): Martin Claret Editores, 1986. p. 101. 110 p. (Coleção O Pensamento Vivo).