A segunda metade da década de 1960 e os anos 1970 foram muito especiais para mim. Foram anos em que, na verdade, comecei a ver o mundo especialmente nossa Santa Maria da Vitória, que Jason Queiroz, locutor inesquecível, de português esmerado, voz grave e marcante, exaltava, ao anunciar a hora certa no Serviço de Alto-Falante a Voz de Santa Maria da Vitória, no Alto do Menino Deus ou Alto da Igrejinha, dessa forma:
— Na cidade que mais cresce no Sudoeste [isso mesmo] baiano, são precisamente 18 horas, a Hora do Ângelus – e prosseguia com a belíssima música Ave-Maria, de Franz Schubert.
Dos anos 1960, tenho alguma lembrança da Copa de 1966, quando ouvi meu pai dizer que o Brasil havia perdido para Portugal. Vi, na Delegacia de Polícia, onde é atualmente a Biblioteca Zizi Athayde, na Praça do Jacaré, cartazes de procurados pela justiça, tais como o Capitão Carlos Lamarca e o guerrilheiro Carlos Marighella, dentre outros. Lembro-me dos circos tradicionais e dos circos de tourada, dos parques de diversões que se instalavam onde é hoje o Pizzaria Canecão ou na Praça Bruno Martins da Cruz. Ou ainda, na Rua Benjamin Constant, onde fica hoje o Colégio Roberto Borges. Além disso, recordo-me dos ciganos armando suas tendas para fazerem tachos e exibirem filmes.
Já a década de 1970, desta sim, trago as maiores recordações. No ano de 1971, entrei para o ginásio. Anos turbulentos aqueles. A Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, mais conhecida pela sigla TFP, organização católica tradicionalista e conservadora brasileira, sempre aparecia por lá com suas imensas bandeiras vermelhas desfilando pelas ruas da cidade a propagar slogans anticomunistas e antissocialistas.
Numa dessas visitas da TFP, Renê, meu primo, disse algo a favor do comunismo, isto é, contrário aos slogans por eles pregados, quando um de seus manifestantes correu atrás de nós. Nem sei direito se sabíamos o que era comunismo. Pelo menos eu, o que sabia a respeito, era quando Hermes, meu irmão, ou mesmo eu pegava sandália ou calção um do outro, e minha mãe, em voz alta, esgoelava:
— Num quero saber de comunismo aqui, não. Cada um que use o seu!
Ainda neste lapso temporal, o Projeto Rondon dava suas caras em nossas plagas. Suas belas e cultas universitárias (eta misturinha explosiva!) levavam muitos donzelões ao mundo dos sonhos. Numa dessas aparições, elas e seus colegas promoveram gincanas, plantaram eucaliptos na antiga Praça do Jacaré e fizeram uma emocionante despedida, que deixou chorosos e tristes muitos de nós (eu, sem dúvida, fiz parte deste grupo). Além de muita saudade, o Projeto Rondon deixou boas lembranças.
Foi no ano 1970 que se elegeu, para mandato-tampão de dois anos (1971–1972), o mais novo chefe do Executivo municipal, Belonísio Amélio da Cruz (Arena 1), aos 22 anos, em acirrada campanha eleitoral, inclusive com morte, derrotando seu oponente, Tito Lívio Nogueira Soares (Arena 2), na primeira candidatura do filho do professor de Matemática, Francês e Música, Antônio Augusto Soares, que deixou inúmeros discípulos em nossa cidade.
Por outro lado, as músicas, as paródias, muito criativas e animadas, ficaram na memória de quantos viveram aquela açulada disputa por votos. Em relação ao prefeito anterior, Péricles Laranjeira Braga (1967–1970), apoiado pelo então prefeito Rolando Laranjeira, elegeu-se, não de forma fácil, mesmo sendo candidato único pela antiga legenda Arena 1, visto que a Arena 2, para aquele pleito, não apresentou candidato.
O contexto da época era mais ou menos esse. E aí, onde entram Waldick Soriano e Dona Rita de Seu Abelino? Pois bem, em 1967, o cantor e músico baiano apresentou-se no famoso Cine União, dos irmãos Lourival e Rosival Rocha (Lolô e Rosi), cujo bilheteiro era Antônio Washington Souza Simões, outrora conhecido por Tõi de Dona Maria de Zé do Pio. “Foi um grande show”, palavras de quem esteve lá, como José Alves, irmão do professor Fernando Kaofo, também presente, mesmo não sendo Waldick ainda uma expressão nacional, mas que já fazia enorme sucesso naquela região, tanto pelo talento, quanto por ser de Caetité, precisamente, de Brejinho das Ametistas.
Pronto. Para que coisa melhor? Waldick desceu de seu empoeirado e velho Jipe, cumprimentou efusivamente Dona Rita, que lhe ofereceu água, cafezinho e os deliciosos biscoitos de Dona Lídia de Seu Joaquinzim Fiscal, e por ali ficaram conversando, enquanto uma parelha de bois criados e mansos, de Seu Abelino, esposo da felizarda admiradora de Soriano, fizessem o trabalho de um verdadeiro trator, ao arrancar o surrado automóvel – na marra, na força bruta – daquele fenomenal caminho de areia, que foi determinante para o improvável encontro.
Que fã, afinal, mesmo em seus mais imaginativos devaneios ou delírios oníricos, admitiria tamanha sorte: ter seu ídolo, bem ali a sua frente, provando de seu cafezinho? A lamentar tão somente, isso é verdade, o fato de não ter aparecido naquele belo cenário cinematográfico um de nossos inesquecíveis retratistas: Pombinho, Vá de Tenente, Neném ou Tião, o Tiãozinho Roupa Limpa, para registrar aquele singular e inesperável episódio, ainda que fosse num simples monóculo.
Dos anos 1960, tenho alguma lembrança da Copa de 1966, quando ouvi meu pai dizer que o Brasil havia perdido para Portugal. Vi, na Delegacia de Polícia, onde é atualmente a Biblioteca Zizi Athayde, na Praça do Jacaré, cartazes de procurados pela justiça, tais como o Capitão Carlos Lamarca e o guerrilheiro Carlos Marighella, dentre outros. Lembro-me dos circos tradicionais e dos circos de tourada, dos parques de diversões que se instalavam onde é hoje o Pizzaria Canecão ou na Praça Bruno Martins da Cruz. Ou ainda, na Rua Benjamin Constant, onde fica hoje o Colégio Roberto Borges. Além disso, recordo-me dos ciganos armando suas tendas para fazerem tachos e exibirem filmes.
Já a década de 1970, desta sim, trago as maiores recordações. No ano de 1971, entrei para o ginásio. Anos turbulentos aqueles. A Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, mais conhecida pela sigla TFP, organização católica tradicionalista e conservadora brasileira, sempre aparecia por lá com suas imensas bandeiras vermelhas desfilando pelas ruas da cidade a propagar slogans anticomunistas e antissocialistas.
Numa dessas visitas da TFP, Renê, meu primo, disse algo a favor do comunismo, isto é, contrário aos slogans por eles pregados, quando um de seus manifestantes correu atrás de nós. Nem sei direito se sabíamos o que era comunismo. Pelo menos eu, o que sabia a respeito, era quando Hermes, meu irmão, ou mesmo eu pegava sandália ou calção um do outro, e minha mãe, em voz alta, esgoelava:
— Num quero saber de comunismo aqui, não. Cada um que use o seu!
Ainda neste lapso temporal, o Projeto Rondon dava suas caras em nossas plagas. Suas belas e cultas universitárias (eta misturinha explosiva!) levavam muitos donzelões ao mundo dos sonhos. Numa dessas aparições, elas e seus colegas promoveram gincanas, plantaram eucaliptos na antiga Praça do Jacaré e fizeram uma emocionante despedida, que deixou chorosos e tristes muitos de nós (eu, sem dúvida, fiz parte deste grupo). Além de muita saudade, o Projeto Rondon deixou boas lembranças.
Foi no ano 1970 que se elegeu, para mandato-tampão de dois anos (1971–1972), o mais novo chefe do Executivo municipal, Belonísio Amélio da Cruz (Arena 1), aos 22 anos, em acirrada campanha eleitoral, inclusive com morte, derrotando seu oponente, Tito Lívio Nogueira Soares (Arena 2), na primeira candidatura do filho do professor de Matemática, Francês e Música, Antônio Augusto Soares, que deixou inúmeros discípulos em nossa cidade.
Por outro lado, as músicas, as paródias, muito criativas e animadas, ficaram na memória de quantos viveram aquela açulada disputa por votos. Em relação ao prefeito anterior, Péricles Laranjeira Braga (1967–1970), apoiado pelo então prefeito Rolando Laranjeira, elegeu-se, não de forma fácil, mesmo sendo candidato único pela antiga legenda Arena 1, visto que a Arena 2, para aquele pleito, não apresentou candidato.
O contexto da época era mais ou menos esse. E aí, onde entram Waldick Soriano e Dona Rita de Seu Abelino? Pois bem, em 1967, o cantor e músico baiano apresentou-se no famoso Cine União, dos irmãos Lourival e Rosival Rocha (Lolô e Rosi), cujo bilheteiro era Antônio Washington Souza Simões, outrora conhecido por Tõi de Dona Maria de Zé do Pio. “Foi um grande show”, palavras de quem esteve lá, como José Alves, irmão do professor Fernando Kaofo, também presente, mesmo não sendo Waldick ainda uma expressão nacional, mas que já fazia enorme sucesso naquela região, tanto pelo talento, quanto por ser de Caetité, precisamente, de Brejinho das Ametistas.
Segundo me contou minha amiga e ex-colega do Curso de Contabilidade, Belonísia Novaes (Belô), sua mãe, Dona Rita, não pôde assistir à apresentação do seu ídolo Waldick Soriano. A razão ela não soube me informar, todavia isso nem importou tanto, pois o destino lhe reservou a mais inimaginável e indelével surpresa. Além de Belô, meu pai sempre contava esta história, visto que a tenda de sapateiro dele ficava na mesma rua, onde é hoje a do seu irmão, o também saxofonista da Filarmônica 6 de Outubro, Nélson Neves.
Agnelo de Donaricota ou professor Agnelo, amigo de infância e ex-colega, morador da mesma rua de Dona Rita, me disse também que, após o show, Waldick saiu com seu violão a cantar pelas ruas da cidade e foi fazer serenata em antigos meretrícios ou casas de mulheres-damas, como eram também chamados, graduados que eram segundo os atributos físicos de suas messalinas, tais como: Pingo d’Água, Pingo de Prata e Pingo de Ouro. No entanto, este não foi efetivamente o ponto relevante. Lembra-se de quando me referi a “destino”, pouco atrás? Pois bem, vou lhes falar dele, agora.
Waldick Soriano, ao passar com seu Jipe pela outrora arenosa Rua Benjamin Constant, paralela à Teixeira de Freitas, ali onde fica atualmente a AMM Vídeo, eis que o veículo atolou no areão e não houve santo que o retirasse. E era justamente nesta rua, como quis o fadário, que morava Dona Rita de Seu Abelino Novaes. E mais: na calçada de Dona Rita, para espanto e imensa alegria do cantor e compositor caetiteense, havia um cartaz afixado num imponente coqueiro anunciando seu show.
Agnelo de Donaricota ou professor Agnelo, amigo de infância e ex-colega, morador da mesma rua de Dona Rita, me disse também que, após o show, Waldick saiu com seu violão a cantar pelas ruas da cidade e foi fazer serenata em antigos meretrícios ou casas de mulheres-damas, como eram também chamados, graduados que eram segundo os atributos físicos de suas messalinas, tais como: Pingo d’Água, Pingo de Prata e Pingo de Ouro. No entanto, este não foi efetivamente o ponto relevante. Lembra-se de quando me referi a “destino”, pouco atrás? Pois bem, vou lhes falar dele, agora.
Waldick Soriano, ao passar com seu Jipe pela outrora arenosa Rua Benjamin Constant, paralela à Teixeira de Freitas, ali onde fica atualmente a AMM Vídeo, eis que o veículo atolou no areão e não houve santo que o retirasse. E era justamente nesta rua, como quis o fadário, que morava Dona Rita de Seu Abelino Novaes. E mais: na calçada de Dona Rita, para espanto e imensa alegria do cantor e compositor caetiteense, havia um cartaz afixado num imponente coqueiro anunciando seu show.
Rua Dr. Francisco Rocha, atualmente, Rua Benjamin Constant. Foto: Reprodução / Revista dos Municípios Ministério da Fazenda / Departamento de Arrecadação / Década de 1960. |
Rua Benjamin Constant. Foto: Autor desconhecido. Acervo de Novais Neto. Década de 1970. |
Referência:
WALDICK SORIANO E DONA RITA DE SEU ABELINO. Jornal O Porto. Edição. Dezembro 2015. Santa Maria da Vitória. Bahia. Brasil. (Crônica revista e, agora, ilustrada).