De tempo em tempo, em Santa Maria da Vitória, circula uma lista com nomes dos homens supostamente mais brutos da cidade. Nos botecos, onde provavelmente esta relação é arquitetada, surgem comentários variados e histórias risíveis de brutalidade que acabam por alimentar ainda mais o rico e belo folclore da minha terra.
Interessante mesmo é que essa listagem, em lugar de provocar a ira daqueles que, porventura, dela façam parte, pelo contrário, é motivo de vaidade, certamente por entender se tratar de uma brincadeira. Segundo um amigo barbeiro, Valinho, em não ver seu nome numa dessas listas teria feito, indignado, o desdenhoso comentário:
— É!... Hoje em dia não se pode confiar em mais nada. Nem uma lista dessa é feita com honestidade. Não tá vendo que nem Chicão Okofô nem Manelão Três-Toras não é mais bruto do que eu! Todo mundo sabe, só esse meia-tigela, fazedor de lista num vê isso. Aí, com certeza, deve ter o dedo da oposição! Só pode ser um corrupto que fez. Devem tem molhado a mão dele, na certa!
É bem verdade que tudo isso se deve à televisão. Depois que as tevês passaram a mostrar Seu Lunga, um cearense mais bruto do que mourão de porteira, surgiram muitos e muitos imitadores tentando, inutilmente, ameaçar o posto do nordestino brabo. E original!
Ainda a propósito dessas listas que de tempo em tempo circulavam em Santa Maria, lembro-me de quando ainda morava na Casa do Estudante, na década de 1980, aqui em Salvador, por lá circulou uma relação com nomes de pessoas de caminhados mais feios da cidade. Nessa relação constavam Erlônio de Eli Tonhá, Cornélio de Antônio da Mata, Zé Manoel de Nana Lisboa, James de Vavá de Cirilo e o meu nome. Isso, mesmo! Não sei se nesta ordem, comigo em último lugar, claro. (Risos!).
Em passado não muito remoto, comentava-se que em Santa Maria havia um homem de força e brutalidade descomunais. Às escondidas, os capadócios diziam que ele, certa feita, foi pegar água no rio com um jumento. E como se sabe, jegue tem mais medo de água do que o demônio da cruz. Ignorando tal fato, esse brejeiro, como dizemos por lá, resolveu fazer um teste com o jerico.
Ilustração de Jailson Borges (Jão). 2020. |
Ao perceber a impossibilidade de puxá-lo para dentro do rio daquela forma, o forte e truculento sertanejo, que não queria perder o desafio para um jeguinho qualquer, teimoso, caminhou decididamente na direção do amuado asinino, levantou-lhe as patas dianteiras, arrastou-o com raiva, jogou-o no rio e, vitorioso, desabafou:
— Tá fazendo-se besta, seu fofa-chão inguinorante! Cê pode ser mais inteligente do que eu, agora, força, força cê num tem, não, seu miserave, fii duma égua!
Seguindo o mesmo caminho ou ilustrando outro ditado que diz: “duro com duro não levanta muro”, conta-se também que certo policial santa-mariense, ao fazer ronda noturna, deparou-se com um bêbado a provocar desordem. Ordenou que parassem a viatura e, incontinenti, deu-lhe voz de prisão:
— Teje preso, seu cabra!
— Num teje.
— Teje preso em nome da lei, seu desordeiro.
— Num teje.
— Vai embora, seu infeliz. Destá que o mundo te ensina.
Aqui em Salvador, também tem seus xucros famosos, só mudam mesmo de palavreado e de sotaque, porque não fica atrás nenhum pouquinho. É que vou mostrar a vocês.
Um amigo me contou que, quando era office boy de uma gráfica, estava numa imensa fila de um desses bancos bem populares. Aproximavam-se as doze horas. Uma desmedida fome deixava-o com os nervos à flor da pele. O caixa, na maior manimolência, na maior lerdeza do mundo, atendia cada cliente como se estivesse fazendo um grande favor.
De repente, vestindo impecável terno preto e portando uma maleta zero-zero-sete, um sisudo cidadão, sem a qualquer cerimônia, vai direto ao caixa e entrega-lhe um monte de documentos. Aquele office boy não se conteve e soltou os cachorros no cidadão:
— Ô, meu bróder, o fim da fila é lá. Tá vendo, não, é?
— O senhor sabe quem sou eu? – questionou o ilustre desconhecido.
— O senhor pode ser a zorra que for, mas o fim da fila é lá — e apontou mais uma vez para o final da mesma, já querendo partir para briga.
— Eu sou é procurador da justiça, meu irmão.
— Meu irmão é lá ele. Você é percurador mermo é de pobrema. Num tá veno que o fim da fila é lá? Num tô aqui pra comer seu reggae, não, papá. Tá quereno se dá de bem pra cima muá? É isso mermo, meu rei? Adianta seu lado. Se pique, pai! Saí fora! Vai com Deus, abençoado!
E o procurador de caso, tão sorrateiramente quanto apareceu naquela agência bancária, recebeu de volta os documentos, recolocou-os na suspeita pasta e exalou no mundo sem deixar rastro. E a turma da fila aplaudiu delirantemente aquele contínuo desassombrado.
Referências:
BRUTO QUE NEM ARGOLA DE LAÇO. Jornal O Comércio Hoje. Abril / Maio. Santa Maria da Vitória, 2007.
NOVAIS NETO. Bruto que nem argola de laço. In: ______ Meu lugar é aqui no Centenário de Santa Maria da Vitória. Salvador: Press Color, 2009. p. 149. 164p.