domingo, 15 de março de 2020

Um pouco de médico e muito de louco

Quem já passou por algum procedimento médico, deve conhecer alguém, não médico, que é “médico” plantonista de especialidade múltipla. Confiram e divirtam-se.

Muita gente, amparada na sabedoria popular que assegura: “de médico e louco, todo mundo tem um pouco”, assume, sem o devido conhecimento, o seu lado médico, mas quase sempre demonstra a sua face louca, de curandeiro inexperiente.

A propósito destes “médicos loucos”, tenho ouvido, extraídas de um passado remoto de um Brasil pouco assistido, histórias tragicômicas, como daquele senhor que vai ao preparador de garrafadas e narra o estado de saúde do pai. O curador, assim referido, prepara uma porção milagrosa e manda que ele dê ao genitor adoentado.

Tempos depois, o curandeiro encontra aquele cidadão a quem atendeu e lhe pergunta como vai o pai, se havia sarado, coisa e tal, e ouve a seguinte resposta:

— Depois daquela garrafada, meu pai arruinou da caganeira e entregou a alma a Deus!

— Mas morreu curado! — adiantou-se o curador, sem mais conversa ou delonga.

Quanto a mim, em 2008, fui submetido a uma intervenção cirúrgica para retirada de um osteocondroma no fêmur, pequeno tumor ósseo, próximo ao joelho, certamente desenvolvido a partir de um trauma, provocado por uma queda. É que fui subir uma escada a correr, quando criança, tropecei e caí. No local, formou-se um hematoma que logo desapareceu sem deixar aparente sequela.

Muito tempo depois, já adulto, apareceu um caroço que começou a incomodar-me. Os ortopedistas que me assistiram, Paulo Henrique de Figueiredo Cordeiro e Rilson Figueiredo Silva, garantiram que a intervenção seria bem simples, o que me tranquilizou bastante e encorajou-me até a pedir-lhes que gostaria de ver o procedimento, no que foi prontamente atendido.

Aliás, submeter-me a cirurgia já não me apavora mais. Esta é a terceira, e sempre creio — piamente — que será exitosa. Meu único receio é o momento da anestesia, quando ela começa a agir e a gente começa a “viajar”. Aí dá certo medo. Antes e depois, um alívio!

Os dias, entretanto, antecedentes ao evento é que foram um misto de ansiedade, “aconselhamentos” e preocupação por parte de amigos e conhecidos. Dentre eles, um muito sabido, que me meteu paúra:

— E aí, poeta, já marcou a cirurgia?

— Já. Vou fazer dia 4 de novembro, sexta-feira.

— Já fez todos os exames?

— Já, sim. De sangue e um eletrocardiograma.

— Só esses? Num vai fazer de urina e de fezes, não?

— Não. O médico disse que bastavam esses.

— Rapaz! Ó p'aí. Esses doutô de hoje facilita muito, dá muito mole pro azar. É por isso que fica um montão de gente morrendo à toa nas filas do SUS e da UPA. Num quero te meter medo, não, meu bróder. Mas, s’eu fosse você, s'eu tivesse ni seu lugar, procurava outro médico. Procurava ver isso direito. Com cirurgia a gente num brinca, não, meu irmão! Você pode se dá de mal!

Chegou o dia esperado e tudo ocorreu de acordo o previsto, sem nenhuma intercorrência, como dizem os profissionais de saúde. Eu é que fiz uma estripulia por excesso de confiança. Três ou quatro horas após a cirurgia, achei que poderia ir sozinho ao banheiro... E o fiz. As vistas escureceram e eu desabei no chão do banheiro, bem embaixo do chuveiro, que pingava.

Ao recobrar a consciência, comecei a gritar. Fui imediatamente socorrido, repreendido com veemência por uma enfermeira e quedei-me quieto, ensoado, com a cara sambando de menino estripulento. Nem imagino por quanto tempo fiquei desacordado.

Tive alta no dia seguinte e voltei para o meu lar com a recomendação de evitar esforços exagerados, não molhar e tomar dois remédios: um anti-inflamatório e um antibiótico. Só isso. Aliás, Dina Marchesini, amiga e médica homeopata, recomendou-me também Arnica e Syphytum.

Durante os dias pós-cirúrgicos, nada de extraordinário aconteceu, exceto ao encontrar um ex-colega dos tempos de bancário, que foi logo indagando, com a cara de assustado:

Gravura de Jailson Santos. Jão, 2019.
— Poeta, o que foi iiisssooo, meu irmão? Operou dos menisco ou dos ligamento?

— Não, não. Foi só a retirada de um tumor no fêmur.
— Um tuuummmôôô? Foi isso mesmo, meu irmão, que escutei?  Um tumôôô? Já fez biópsia?

— Já mandei fazer. Foi o que o médico solicitou.

— E mapeamento ósseo? Densitometria?

— Não! Num sei nem que diacho é isso, meu amigo. Serve pra quê?

— É um exame muito importante que serve muito e ajuda bastante.

Para que “serve” e a quem “ajuda”, ele não soube me esclarecer. Entretanto, do alto da sua sabedoria hipocrática, e com indisfarçável e profundo conhecimento de causa, ainda me aconselhou, pausada e seriamente, a contrapor protocolos das ciências médicas:

— Rapaz, s’eu tivesse ni seu lugar, procurava ver isso direto. Só biópsia num basta, não. Tô te dizeno, meu bróder... Vai por mim! Você vai se dá de bem!

Diante, portanto, de tudo que vi, ouvi e passei, vai um conselho à classe médica:

— Toma cuidado, doutor, porque na sua “cola”, instruídos pelo “inconteste Dr. Google, há sempre um tudologista de plantão, de múltipla especialidade. Vacile não, meu irmão, o homem é um semideus virtual, um Hipócrates ressureto e hodierno!

6 comentários:

  1. Amei o texto! De fato, somos um pouco "médico". Quem nunca receitou??? Somos todos mais "entendidos" que o outro, sempre temos um parente, um amigo, um conhecido que sofreu o mesmo mal e isso nos dá total liberdade para dizer o que fazer. Será esse o momento do "louco"?

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  2. Reparado bem, Novaes? Eu acho melhor você tomar uma garrafa de biotônico com emulação scot. Pra ver se você livra da lumbriga? Porque cê muito magrim.cum certeza é lumbriga.
    Kkkkkkkkkkk! Salve mestre Novaes!

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  3. Valeu, primo. Percalços sempre estão de plantão. Bom relato e, engraçado, pra gente se tranquilizar. Abraço fraterno

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  4. Eu procuro nao dar pitaco! A nao ser se for algo natural, mas instruo a perguntar ao medico!

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  5. é muito gozado mesmo todo mundo tem a cura pro próximo kkk

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  6. Realmente, de médico e louco, todos temos um pouco. Parabéns Novais pelo lindo e criativo texto. Luciano Diniz.

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