Ilustração de Jailson Borges (Jão). 2019. |
Felizmente, ainda há aqueles que ousam driblar a apatia, como fez o protagonista da cena que presenciei ao passar de ônibus na tarde de 11 de janeiro de 1993, defronte ao Teatro Castro Alves, em Salvador, Bahia.
Na pista em frente ao referido teatro, parou um coletivo distante do calçadão. Dele, desceram várias pessoas e, por último, uma senhora negra, bem vestida, de presumíveis setenta anos, andando com certa dificuldade, amparada a uma bengala.
Por alguns instantes, titubeou na pista, atarantada. Nesse ínterim, um moleque de rua, raquítico, trajando apenas um calção sujo, descalço, teve a iniciativa de parar o fluxo de veículos e ajudá-la na travessia até o passeio daquela casa de espetáculo.
Fosse esse alguém um transeunte qualquer, o gesto não deixaria de ser humanitário, tornou-se, todavia, mais emocionante porque, além de o autor do belo espetáculo nem perceber a grandeza do seu ato, seria mais fácil prever que ele iria “puxar” a bolsa daquela pobre senhora, cotidiana cena em nossas metrópoles.
Neste mundo hodierno, no qual bestas soltas nos rodeiam diuturnamente, aqueles que muitas vezes aparentam sê-las – como o garoto desse episódio – acabam nos dando verdadeira lição de vida, humanidade e cidadania. Foi verdadeiramente emocionante para aqueles sortudos passageiros que do ônibus puderam presenciar tão incomum, bela e inolvidável cena.
Em tempo: Esta crônica foi publicada na seção Espaço do Leitor, do Jornal A Tarde (Salvador, BA), do dia 17/1/1993 com o título “Sensibilizado com uma boa ação”. Publicada também no Jornal Cultural – Blocos, Ano II – 10, Fev/Mar/1993 (Rio de Janeiro, RJ) e no Recanto das Letras, onde está também disponível: <https://www.recantodasletras.com.br/cronicas/2344598>. Acesso em: 10 nov. 2019.