Não tem jeito mesmo! É essa a conclusão a que chego, agora, neste exato momento. Já fiz inumeráveis promessas de não falar tanto de saudade em minhas crônicas. Mas ela — a saudade — é teimosa, não “larga do meu pé”. E eu acho até bom, sabe por quê? Porque ela me revigora, ajuda-me a enfrentar a dureza cotidiana.
Hoje, não sei por que bulhufas — uma vez mais — voltei aos tempos da Casa do Estudante de Santa Maria da Vitória, a inolvidável Caes, década de 1980, localizada na Ladeira do Hospital Santa Isabel, aqui em Salvador, Bahia.
Recordei-me de Julinho (nome fictício), um dos residentes que ao retornar da escola, já perto do meio-dia, apresenta-nos uma grande novidade: um sabonete que prometia curar tudo, segundo ele, dito por um propagandista na Praça da Sé.
Antes, porém, de dizer que sabão foi aquele, volto ainda mais no tempo e no espaço e agora estou na minha terra natal, anos 1970, a lembrar-me de Zelino Jega Véia e Chiquinho Boca Aberta, mercando pão quentinho ao romper do dia pelas ruas da Rua de Baixo e da Rua de Cima (isso mesmo!):
— Ê o pão! Ê o pão carteira, sovado e de sal.
Ou na parte da tarde:
— Ê o ginete, a peta, o ximango, a queca! Quem vai querer? Tá quentinho, da hora!
Isso me fez recordar, ademais, uma figura que por lá apareceu dizendo ter sido goleiro das divisões de base do Vitória ou do Bahia. Não me recordo direito. A bem da verdade é que ele se esforçava muito como guarda-meta (êta coisa mais antiga!), porém, a lembrança que dele ficou, foi a forma exótica, incomum de anunciar seus produtos nas ruas santa-marienses:
— Cinquenta, paca, tatu, cobra assada, cotia moqueada e galinha de moqueca! Olhe aí. Quem vai querer?
E um detalhe curioso que me foi lembrado por Hermes Novais, meu irmão, é que ele anunciava isso tudo e só vendia pastel e banana real. Imagem!
Como, naquela época, pouco se ouvia falar de Salvador entre nós, jovens, muito menos ainda a palavra moqueca, o goleiro soteropolitano assumiu o cognome Moqueca, chegando a defender as cores da Associação Atlética Castro Alves por algumas temporadas.
Vale lembrar que ainda hoje os mais velhos da cidade se referem a Salvador como sendo Bahia, verdadeiramente. Haja vista a grande distância da Capital, a população regional tem maior intercâmbio com Goiás, Brasília e Norte de Minas. Os mais velhos, como meu pai, normalmente dizem “vou pra Bahia”, quando se referem à eventual viagem a nossa Metrópole.
De volta ao nosso assunto principal, o tal “sabonete cura-tudo”, certa ocasião, ao passar pela Praça da Sé, não é que encontrei possivelmente o mesmo vendedor, cercado por curiosos e desocupados, tirando uma de médico “tudologista”, o que me fez lembrar, sem dúvida, o sabonete de Julinho, amigo já referido no início desta crônica. Parei por uns instantes para ouvi-lo mercar:
Plano Inclinado Gonçalves, Salvador. Foto: Novais Neto. 2019. |
E para entreter ainda mais seus ávidos assistentes, vez por outra mirava o Plano Inclinado Gonçalves a sua frente e soltava uma daquelas frases de duplo sentido:
— Vocês tão vendo o Plano Inclinado ali? Pois bem. Reparem bem direitinho nele: quando uma gaiola sobe, a outra gaiola desce. O nome de uma gaiola é Seu Upa e o nome da outra gaiola é Seu Cupa. Agora vejam o que acontece: quando Seu Upa sobe, Seu Cupa desce! — e repetia, repetia, repetia com toda seriedade do mundo:
— Quando Seu Upa sobe, Seu Cupa desce! — e mirava os sorridentes espectadores.
Ilustração de Jailson Borges (Jão). 2019. |
A plateia delirava, “caía na risada” e o mercador, impassível, imperturbável, voltava a falar do seu miraculoso e insólito produto, que nada mais era senão algo parecido com sabão de coco embrulhado em papel laminado para enganar os pacóvios, simplórios e desavisados ou — sabe-se lá — propiciar até mesmo um dubitável Efeito Placebo!
Salvador (BA), 16/9/2019.
A grande maioria destes ambulantes eram cearenses,reis da criatividade. Lembro-me de um grupo que adivinhava tudo. O cara com uma fita preta tapando os olhos,sabia tudo que o perguntava.O certo é que tinham um código cecreto de cafa pergunta.Pous bem em um hotel tinham uma mesa para revelar o futuro nas consultas para os curiosos os quais queriam revelar a vida futura.Eles diziam não cobrar pelo trabalho exigiam apenas tres pacotes de velas pra acender pro santo do cliente.Com apenas uma vela eles atendiam multidões enquanto outro grupo vendiam as mesmas velas pela cidade ja que a procura pelas mesmas eram exageradas. O cupa desce era envolvimento cómico para segurar a galela . legal gostei .Vc não deixa passar nada tem tudo regustrado .Grande Novaes.abrçss
ResponderExcluirObrigado, meu amigo. Que maravilha estas lembranças.
ExcluirSecreto
ResponderExcluirMinha ortografia esta péssima trocando e engulindo letras. Profess.Josepha me dizia vc vai ficar buchudo de tanto engulir letras.
ResponderExcluirAh, meu Deus. Sem problema. Já fiz isso demais e continuo engolindo letras. Abraço.
ExcluirMaravilha, Novais! Boas lembranças.
ResponderExcluirUm sabonete por favor!! Sofro com unha encravada.
ResponderExcluirÉ sempre prazeroso ler o que escreve.
Grande abraço, figurinha
Bela história de produtos milagrosos. Isto ainda existe muito nos dias atuais. Seu cupa é legal rsrs
ResponderExcluirMuito bom adorei vou divulgar vc nas minhas redes
ResponderExcluirHá,há,há,há,ha muito legal, meu amigo. A criatividade dos nossos antigos malandros era maravilhosa. Hoje até isso acabou, a maldade é que impera.
ResponderExcluirParabéns meu amigo!,belas lembranças, só voce mesmo para nos deliciar e reviver essas boas lembrancas. GEANDE ABRAÇO
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