Finalzinho de tarde de um dia qualquer na Cidade do Salvador, lá pelos idos de 2005 ou 2006. Marcos Guimarães, com sua peculiar elegância e postura irrepreensível, adequadamente trajando seu uniforme de trabalho, talonário de autuação e caneta nas mãos, e eu, à época, um aprendiz ainda em estágio probatório na Transalvador, observávamos o trânsito que fluía ininterrupto na Ligação Iguatemi-Paralela, mais conhecida pela sigla LIP.
Tudo, como foi dito, absolutamente dentro do esperado para aquele lapso temporal. Porém, o trânsito é muito dinâmico e, de um momento para outro, tudo pode mudar e beirar o caos. De repente: buzinaço, frenagens bruscas, xingamentos, gritos e o trânsito, outrora frenético, ficou lento e congestionado.
Meu colega e eu, mesmo acostumados com anormalidades dessas ocasiões, vimos, serpenteando entre os veículos, um corredor urbano, bem trajado, do tipo atlético aparentemente “bombado” e cérebro diminuto, a provocar a ira de condutores e indignação de transeuntes, deixou a todos estupefatos quando, ao terminar a travessia das pistas, tranquilamente subiu no passeio e, a andar, seguiu se itinerário sem nenhuma pressa, a contrariar o que houvera feito instantes passados de modo irresponsável e imprudente.
Por outro lado, uma cena inobservada por muitos pedestres, um cãozinho vira-lata, magricela, pestilento, tenta atravessar a pista e quase é atropelado. Recuou, assustado e, ao perceber algumas pessoas aglomeradas naquele local, posicionou-se bem atrás delas e, embora a matar pulgas que o atormentavam, aguardou pacientemente o fechamento do semáforo para atravessar para o outro lado da pista. Quando isso aconteceu, ele seguiu a multidão e saiu a farejar restos de alimentos sem correr o risco de atropelamento.
Ilustração de Jailson Borges (Jão). 2019. |
E aquele pequenino cão vira-lata, doente, esquálido e pestilencioso, abanando um rabinho quase sem pelos — mas feliz — seguiu seu incerto caminho a virar latas em busca de comida para lhe garantir mais um dia de sobrevivência, deu sua contribuição canina, mesmo sem saber, a tantos quantos expõem a própria vida, irrefletida e injustificadamente.
Salvador (BA), 18 a 25 de setembro de 2019.
Semana Nacional do Trânsito
__________Semana Nacional do Trânsito
Obs.: Crônica publicada inicialmente no Jornal da Associação dos Servidores em Transporte e Trânsito do Município (Astram), nº 16, Junho 2014, p. 4.
...gostei da expressão: bordoadas veiculares!!!
ResponderExcluirO escritor tem sempre um olhar diferente...é isso que encanta o leitor.
Continue deslizando a caneta no papel registrando fatos.
Meu caro Novaes, bom dia!
ResponderExcluirLendo sua crônica foi inevitável a lembrança dos animais mortos pelas queimadas na Amazônia, Pantanal e porque não do Serrado?
E infelizmente Lembo que estamos sob o comando do rude, porém, nada Atlético.
Achei muito linda esta história e mais ainda a atitude desse cãozinho que dá lições em muitos seres ditos humanos que agem de forma impensada.muito bom parabéns Novaes vc foi muito feliz nesta crônica que expressa uma reflexão sobre a semana do trânsito um ensinamento impar a para com os humanos.
ResponderExcluirO instinto animal, apesar de ser pouco apreciado pelos humanos, é provido de astúcia e sensibilidade, algo que falta em muitos seres que se dizem "pensantes". Os humanos, com exceções, é claro, pensam tanto que dão sempre passos errados na vida diária, na política, no trabalho e no amor. Taí um exemplo, uma lição de vida que esse cachorrinho deixa para todos nós. Parabéns Novais, por mais um trabalho que nos chama à reflexão!
ResponderExcluirCom tanta gente mal educada que joga cascas de banana pelas ruas,pense duas vezes no calculo do do tempo para o fechamento do sinal pra vc. Vai que teu sapato encontra uma destas malditas cascas e ai? Você acaba indo pro beleleu. Agradeço ao meu amigo Novais por mais esse grito de alerta. Assimilei a cronica por esse lado abrçsss.
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