Não tenho irmão gêmeo. Sou, até onde sei, o resultado da fecundação de um único óvulo por um único espermatozoide, dando origem a uma célula-ovo, que evoluiu para um feto e desenvolveu dentro de uma placenta no útero da minha mãe.
E a relembrar as aulas de biologia, mais precisamente genética, fecundação, essa coisa toda, não sou gêmeo bivitelino, aquele que é resultado da fecundação de dois óvulos por dois espermatozoides, dando origem a dois fetos e desenvolvidos em duas placentas, que podem ou não ter o mesmo sexo. São gêmeos apenas pelo fato de terem sido gerados e desenvolvidos num mesmo período gestacional. São os chamados gêmeos fraternos ou gêmeos irmãos.
Quanto aos gêmeos univitelinos, estes resultam da fecundação de um único óvulo por um único espermatozoide, desenvolvem-se dentro de uma única placenta ou em duas placentas e são necessariamente do mesmo sexo. São os denominados gêmeos idênticos, referidos popularmente como “cara de um, focinho do outro” e que são confundidos até mesmo pelos pais.
Deixando de lado a biologia, quem me ajudou vir ao mundo foi sá Clara ou mãe Clara de Nezim Ferreiro, parteira tradicional que exerceu seu belo ofício por três ou quatro décadas, creio eu. Ela é, portanto, “mãe” de muitos santa-marienses. Nasci em casa mesmo, o normal naqueles tempos idos, num quartinho na atual tenda de Nélson Sapateiro, meu tio, na Rua Benjamin Constant. Assim sendo, a probabilidade de ter algum irmão gêmeo é praticamente nula.
Diante, portanto, desta óbvia constatação, eis que já vi muita gente com a minha cara, e outras tantas pessoas que me disseram que pareço com alguém. Nada de anormal, exceto quando me assustei diante de mim mesmo, diante de minha própria cara. A história não é longa. Garanto.
Quando cheguei a Salvador, sempre que tinha oportunidade, ia a cinemas, teatros, coisas dessa natureza. O cine preferido era o Excelsior, que ficava na Praça da Sé. Uma música me faz lembrar bem dessa época. É a de Raul Seixas, Sessão das Dez, que começa assim: “Ao chegar do interior / Inocente, puro e besta / Fui morar em Ipanema / Ver teatro e ver cinema era a minha distração […]”.
Foi numa dessas distrações no Excelsior que, tendo comprado o ingresso, fui entrando no cinema de cabeça baixa, quando percebi que alguém vinha na mesma direção. Não parei de andar, apenas movimentei de um lado para outro e percebi que esse alguém também fazia o mesmo. Quando já estava bem perto, quase a chocar-me com esse alguém, levantei a cabeça e vi uma cara igualzinha a minha. Tomei um susto e constatei que estava diante de um grande espelho. As pessoas que presenciaram o fato, pensaram tratar-se de brincadeira minha. E meio escabreado, com um riso sem graça, fui para um canto do recinto para aguardar o momento de entrar na sala de projeção.
Num outro momento, a andar pela Avenida Joana Angélica, aqui mesmo em Salvador, eis que divisei na multidão um andante bem parecido comigo e o encarei. O transeunte fez o mesmo, creio que espantado também. Passamos um pelo outro, fitamo-nos mais detidamente e sorrimos. Olhei ainda para trás e vi que ele fez o mesmo. Seguimos adiante, cismados, sem dúvida. Se há época já houvesse a música do Rei Roberto Carlos, sem dúvida, diríamos: “Esse cara sou eu”.
Ainda em Salvador, quando passava, num final de tarde, na Rua Nova de São Bento, escutei uma mulher da janela de um apartamento a gritar:
— Hélder! Hélder! Hélder!
Como a rua estava vazia e ela olhava em minha direção, retornei e aproximei-me um pouco do prédio para saber se a mulher falava mesmo comigo. No entanto, ao ver-me um pouco mais de perto, ela me pediu desculpa e disse que se enganou, que me confundiu com outro alguém.
Dia seguinte, contei o ocorrido para um colega de trabalho por nome Hélder Gama, que realmente se parece comigo, dando-lhe detalhes do local e características da pessoa. E ele não teve dúvida:
— Opaí, opaí! Ela ficou pinel! É minha namorada que mora ali, meu irmão. Não passa lá mais, não, meu bróder, senão vai ter problema, vai ter comigo... — e deu amistosa gargalhada!
A bem da verdade, acostumei-me a ouvir alguém dizer que fulano se parece comigo, afinal, já me acharam parecido com Silveira, antigo quarto-zagueiro do Fluminense, Mazzaropi, Seu Madruga, Binha, conhecido torcedor do Bahia, que já foi até candidato a presidente do clube, Charles Bronson, Salsicha, do seriado Scooby-Doo, além de outros que nem me recordo.
Fotomontagem: Novais Neto. |
Surpreso mesmo eu fiquei, foi quando o amigo Hércules Costa postou no Facebook uma foto do Beatle George Harrison, dizendo que ele havia encontrado meu clone. É demais!
Finalmente, o dia em que me acharem parecido comigo mesmo, vou ficar muito decepcionado. Eu? Com a minha cara? É de doer! Ou de sorrir! Resta-me então perguntar a algum “espelho mágico” quanto à minha imagem nele refletida:
— Espelho, espelho meu, será que existe, no mundo, alguém mais parecido comigo do que eu? – e se o espelho não me responder, vou ficar decepcionado. Ah, se vou!
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Obs.: Crônica publicada no site Matutar Notícias em 22/3/2018, também onde está disponível no link: <https://www.matutar.com.br/arte-e-cultura/um-alguem-com-a-minha-cara/>.
Ainda a propósito de "Um alguém com a minha cara"
Após publicação desta crônica no Matutar Notícias, o amigo Chico Mallero lembrou-me de que eu havia esquecido outro episódio da mesma natureza. E não é que ele tinha razão! Ei-lo portanto, para complementar esta crônica.
Numa tarde, do mês de novembro de 2015, quando fui à casa de Chico, em São Félix do Coribe, "jogar conversa fora", ele e sua esposa Ana Helena me convidaram para irmos à cidade de Jaborandi, distante 54 km, onde um primo dele, de prenome Zé, tem um aconchegante bar à margem do convidativo Rio Formoso. Convite aceito, portanto.
Logo que lá chegamos, eu e Ana Helena nos posicionamos numa mesa onde pudéssemos apreciar a magistral revoada de garças dirigindo-se ao dormitório, rio abaixo. Algo divinal, indizível.
Bar de Zé - Jaborandi (BA), 2015. Foto: Ana Helena Bomfim |
Bar de Zé - Jaborandi (BA), 2015. Foto: Novais Neto |
Foto de panfleto: Novais Neto. 2015 |
Tirei algumas fotos do panfleto, mas Erasmo me permitiu que o retirasse, ofertando-me como "presente". E assim o fiz e o guardei, não sei para quê. Desculpe-me, agora eu sei: o panfleto complementou minha crônica. Só lamento não ter identificado o nome do artista. Você sabe quem é?