segunda-feira, 1 de abril de 2019

O dia em que meu pai me matou

Nesta crônica, revista e ampliada, mostro que alguns apelidos podem produzir risíveis momentos.

Você sabe qual é o meu prenome? Acho que não. Deve saber meu apelido, que não chega necessariamente a sê-lo, pois é nome de família, um cognome. Mas sobre isso, depois eu conto, porque  são justamente as alcunhas que me motivaram escrever esta crônica, e até outra por título “Histórias que apelidos contam”, que brevemente publicarei.

São particularmente interessantes alguns apelidos que a gente ouve por aí, principalmente no meio futebolístico. Muitos deles eu os acho bonitos, diria melhor, diferentes, tais como Obina, Vampeta, Marião e tantos outros.

Na minha Santa Maria da Vitória, há de montão, alguns impronunciáveis  aqui  porque por lá todo mundo fala com a maior naturalidade, nem se dando conta de que são termos chulos.

Hoje, entretanto, depois de mais de quatro decênios vivendo em Salvador, quando os ouço, vem-me a inevitável nostalgia e risíveis lembranças que instigam minha memória afetiva.

Outro dia, liguei para um conterrâneo e quem me atendeu foi sua secretária do lar:

 Bom dia! Por favor, Preto está?

 Aqui não tem nenhum Preto, não, meu senhor.

 Como não? Aí não é a casa de um médico de Santa Maria, filho de Tiãozinho do Mercado?

 É, sim. Mas o nome dele não é Preto, não, meu senhor. O nome dele é doutor Reinaldo Ataíde.

 Tá bem, desculpe-me. Mas, por favor, diz para ele que Novais, de Santa Maria da Vitória, ligou, tá certo? Muito obrigado.

Deixei meu telefone e Preto, gentilmente, retornou a ligação com o sorriso de praxe, porque sua secretária naturalmente lhe contou o ocorrido.

Dr. Reinaldo Ataíde entre os pais Renilde e Tiãozinho. Foto: Reprodução / Facebook.
Ainda sobre meu compatrício, seu tio Arnaldinho me contou a história de uma cirurgia que Preto fez em uma amiga santa-mariense, num hospital em Salvador. Quando esta amiga ainda se recuperava da anestesia na sala de pós-operatório, começou a chamar por alguém desconhecido dos médicos, como se estivesse a delirar.

 Cadê Pretim? Eu quero Pretim. Traz Pretim aqui, pelo amor de Deus.

O estranho apelo deixou os médicos perplexos, pois o amigo dela, Pretinho, eles desconheciam. Quando, então, doutor Reinaldo chegou, o episódio lhe foi narrado, e ele, para surpresa dos seus pares, confessou:

— Pretinho sou eu mesmo, môss. Eu acho que ela nem sabe meu nome direito, sempre me chamou assim. É um apelido familiar, de infância – e abriu imenso sorriso para seus colegas.

A propósito de outro apelido, lembro-me do odontólogo Vandnaldo Valeijo Pinto ou simplesmente Vando, amigo e concunhado soteropolitano, que um dia me ligou sorridente e feliz para contar-me sobre uma bela descoberta que fizera:

— Novais, tô aqui num consultório e descobri que o médico que tá me atendendo, gente boa demais e competente, é da sua terra. O nome dele é doutor José Otávio. Você conhece ele?

 Conheço não, Vando. Deve ser novato na cidade  respondi, convicto.

Novamente o celular tocou. Era Vando com mais informações:

 Ele disse que lhe conhece, que seu pai é sapateiro, amigo do pai dele, que também é médico. E dos bem antigos da cidade. O nome do pai dele é doutor Aziel Almeida. 

— Ah, sei, sim. Claro que conheço e muito. É Pinha de Aziel, doutor Pinha. Só que nunca soube que seu nome fosse José Otávio. Ele foi até colega de escola da minha irmã Glécia. Sempre o chamei de Pinha. Eu e nossos contemporâneos. Dê-lhe um abraço por mim — finalizei.

E ainda a despeito de apelido, esse risível episódio, ocorrido comigo, não posso, jamais, deixá-lo de fora desta crônica, senão vejam:

Tempos atrás, ao passar pelas imediações do Fórum Ruy Barbosa, no Campo da Pólvora, em Salvador, dentre os muitos transeuntes, eis que me deparo com três rapazes, de paletó, bem trajados, o que é bem comum naquele logradouro, que andavam em minha direção. Ao aproximarem-se de mim, eis que um deles se deteve, olhou para mim, que também havia parado, e me disse:

— Eu acho que te conheço, só não me recordo do seu nome.

Olhei também para ele, busquei minhas fugidias memórias afetivas, já bem distantes, e fiz o mesmo:

— Também me lembro de você, acho que do Colégio dos Padres, em Santa Maria, mas esqueci o seu nome. Então, estamos empatados. Acho que me lembro do seu apelido, posso dizer?

— Claro, que sim, fique à vontade — disse o meu “quase desconhecido”.

— A gente chamava você era de Pai de Chiqueiro, não é isso mesmo?

— Não! Não, môç! Vocês me chamavam era de Pai d’Égua — falou com um sorriso meio contido, sem graça, para arrancar enorme gargalhada de seus pares e olhares curiosos dos passantes. Ele, então, para não ficar à parte, entrou no time dos incontidos gargalhantes e sorriu enormemente. Despedimo-nos, ainda sorridentes. E felizes, sem dúvida alguma! No final do ano passado, 2023, ele novamente me reconheceu a andar pelas ruas do Bairro de Brotas e, aí sim, trocamos contatos. Essa figura, motivo dos frouxos de risos, é o advogado tributarista, Rogério Brandão, nascido no Distrito de Porto Novo, pertencente a outrora cidade baiana de Santana dos Brejos, atualmente, apenas Santana.

Agora que já falei de apelidos alheios, lembra-se do título desta crônica? Pois, bem, vou contar-lhe, então, porque resolvi escrevê-la.

Meu pai registrou-me Adnil, nome do pai dele. Só que, desde de menino, jamais me chamaram assim. A verdade é que meu tio materno, Osias Almeida, também poeta, achava o nome pouco sonoro, não impactante e feminino, e começou a chamar-me apenas Novais.

E assim me acostumei. Tanto é, que na minha cachimônia coexistem em harmonia os dois nomes: Adnil, o estudante aplicado e introvertido, e Novais, mais liberto, que sou eu, a mistura dos dois.

Certa ocasião, eu estava numa sala ao lado da sapataria do meu pai, em nossa casa, quando entrou um brejeiro e o saudou alegremente: 

 Adeusim, Bastião! Cuma tem passado? Cumé que tá Adnil?

 Eu vou mal e mal. Adnyl é que tá embaixo de sete-palmos, cumpanhero. E já faz é um tempão.

 Oxente, home, deixa de caçoada! Tá pilheriano cumigo, Tião? Será que tô ficando abilobado ou tô veno visage? Apois, isturdia, eu vi ele na feira comprano piqui e cagaita, muito alegre e sastifeito, num parecia doente, não. Cê quer dizer, entonce, que seu fii morreu?!

 Morreu não, môss! Tô bestano. Eu pensei que cê perguntou foi por meu pai Adnyl. Novais tá vivim da silva, graças a Deus. Eu qu’isqueço que o nome dele também é Adnil. A gente só chama ele de Novais e aí eu acabo esqueceno.

Neste momento, fui para tenda de sapateiro cumprimentar o senhor que procurou por mim, e tudo terminou numa bela risadaiada, como normalmente por lá dizemos, em lugar de risadaria.

Finalmente, a propósito do meu nome, veja o que me restou desse caricato bolodório: eu, que sou filho de Tião de Adnyl, sou também Adnil de Tião. Ou, para ser mais claro e evitar qualquer possibilidade de homonímia, sou, sem dúvida alguma: Adnil de Tião de Adnyl.

__________
Obs.: Crônica publicada inicialmente no Jornal ComércioHoje, de Santa Maria da Vitória, edição de nov/dez-2006.

35 comentários:

  1. Muito interressante os apelidos.Aqui sou nena,emAnapolis Janilza.No tempo que lecionava pra criancas tia Jane,pros adolescentes Janilzao. Gostei dos apelidos que voce fez referencia e sobretudo sobre o titulo;uma bela piada.bjs

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  2. Amo suas crônicas poeta! Falando em Dr. Reinaldo Ataíde rsrs fui operada por ele no hospital São Matheus em Feira de Santana, por lá também ninguém conhecia o seu apelido rsrs eu fiz questão de dizer o apelido do meu conterrâneo e claro os risos foram muitos. Um grande abraço Novais.

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  3. Que legal. Obrigado. Aqui não apareceu o nome de quem escreveu. Quem é?

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  4. Sensacional, eu era chamada pelo avó de risadinha, não sei porque kkkkkkk...parabéns pela crônica de interior onde todos se conhecem por apelidos, as vezes faz uma confusão kkkkkkkkk

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  5. Grandesíssimo Amigo que bom poder te dar um abraço mesmo que por via escrita, mas como és poeta entenderá. Obrigado pela referência, é uma honra. Quando vieres pras bandas de Aracajú me avise pra botarmos prosa em dia.

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    1. Obrigado, meu amigo Pinha. A honra é minha. Quando pintar por aí, claro que vou procurá-lo. Abraço.

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    2. Acho de certa forma carinhoso,quando os amigos me chamam pelo apelido.Valeu Nova!

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  6. Novais, amei sua crônica
    Vc escreve muito bem
    É espirituoso. Vou divulgar sim. Merece ser lida pelos amantes de uma boa literatura.

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  7. Novais suas crônicas enriquece o conhecimento de quem as lê. Além de histórias verídicas como estas que acaba de escrever. Sou seu fã de carteirinha. Parabéns.

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  8. É sempre muito gratificante um poeta e prosador está sempre fazendo memórias da nossa Cidade, revivendo estórias e o mais incrível Novais pra mim chamo de NO, mais um apelido kkkk não esquece suas origens.

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  9. Novais, gosto de ler o que você escreve e esta crônica vou levar para a sala de aula, chegou para mim na hora certa.
    Um abraço e continue produzindo sempre.

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  10. Parabéns novais pelas suas cronicas um grande abraco Amigo !!

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  11. Tudo e muito veritmo, e engraçado só posso te parabenizar. Um abraço!

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  12. Muito legal sua crônica Adnil de Tião de Adnyl.

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  13. Parabéns pela sua crônica,adorei.sou irmao de Antônio Bahia.

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  14. Fantástica a crônica. Quem teve o privilégio de viver no interior sabe o
    valor e a emoção dessas maravilhosas lembranças. Parabéns ADNYL.

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  15. Parabéns Novais pela crônica.
    Quem comenta é Cesar de Aracaju, amigo de Regina.

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  16. Suas crônicas são as melhores! Amei.

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  17. Obrigado Novais pela referência. Muito bom ouvir suas estórias /cronicas. Uma honra tê-lo como conterrâneo e amigo. Seu pai Tião tem o mesmo apelido do meu saudoso pai Tião. Tião sapateiro e Tião do Mercado. Abcs 👏👏

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