segunda-feira, 29 de abril de 2019

A televisão dos meus sonhos

Nesta crônica, relembro a chegada da televisão em Santa Maria da Vitória, junto com a surpresa, a mudança de hábitos e um pertinente e divertido comentário por ela motivado.

Era começo da década de 1970. Apesar de a repressão militar ser o papo predominante entre intelectuais e políticos da minha terra, o que o povo mais falava, na verdade, era a chegada da televisão. Na Praça do Jacaré, havia um aparelho numa torre repleta de propaganda, em frente ao Banco do Brasil. E a Copa do Mundo de 1974 já pôde ser vista na "telinha".

A novidade tecnológica mexia com a imaginação de muita gente. Afinal, o que muitos de nós conhecia sobre televisão se resumia a figuras de revistas, propagandas em jornais e o que as rádios Globo, Mundial, Bandeirantes e Inconfidência de Minas divulgavam em suas programações diárias.

Naquele tempo, eu era estudante no Ginásio Comercial de Santa Maria da Vitória. A turma, tida como bagunceira por alguns professores, era também reconhecida como estudiosa, e que marcou época, segundo eles mesmos. No entanto, com a notícia da chegada da “telinha”, nada mais nos prendia a atenção. Por esse motivo, a direção do colégio resolveu nos liberar mais cedo numa determinada noite, para que pudéssemos matar a curiosidade e conhecer esta tal televisão.

O local para a sessão televisiva foi o Hotel de Detinha – o Sertanejo Hotel – um dos mais conhecido e frequentado de toda região, porque um dos nossos colegas, Dalvo Graia (Neno), sobrinho da proprietária, havia falado com ela e tudo ficou acertado para irmos lá. Confesso que eu era um dos mais exaltado e ansioso para ver a geringonça eletrodoméstica.

Quanto ao citado hotel, este merece um abre-parêntesis. É que nós, principalmente, os meninos, sempre estávamos por lá fuçando o lixo à procura de carteiras de cigarros vazias de marcas raras, trazidas por viajantes e mascates, tais como Astoria, Albany, Consul, Pall Mall, dentre outras, com a finalidade de fazermos “dinheiro”. Estas marcas eram muito “valorizadas”. O mais barato era Continental sem filtro, que seria hoje, a fora de uso, cédula de papel de 1 real.

Finalmente, estávamos todos lá, no Hotel de Detinha, de um cachorro dorminhoco que ficou folclórico e referência para comparação: "fulano dorme mais que o cachorro de Detinha". Alguns, que já conheciam tevê, esnobavam. Outros como eu, a maioria da turma, não se interessava muito com as informações recebidas, queria mesmo era ver a engenhoca em funcionamento.

No canto de uma sala para refeições, com alguns hóspedes à mesa, estava lá o imponente televisor a dar o ar da graça com imagem chuviscada e fantasmática. O som, cheio de interferência e oscilante, não dava para se ouvir quase nada, ademais, somavam-se o burburinho e o calor da aglomeração de curiosos que nos deixavam a todos agoniados e suarentos.

Confesso: não gostei. A televisão por mim imaginada era diferente. E eu explico o motivo. Quando garoto, sempre futuquei essas coisas intrigantes. As bonecas das minhas irmãs eu as desmontava para ver o mecanismo que as fazia chorar. Um velho rádio Semp, mimo do meu pai, certa feita eu o abri, porque na parte traseira havia uma plaqueta com a inscrição: “Rádio e Televisão Semp”. Achava eu que ali dentro deveria ter alguma coisa sobre tevê, inobservada por meu pai. Resultado: não acertei montar, o bicho não funcionou. Tomei foi um puxão de orelha, apenas para ser eufêmico.

Quanto à televisão sonhada por mim era semelhante às antigas vitrolas, onde se deveria pôr um disco de vinil, o bolachão, e numa tela apareceria o cantor em imagem cinematográfica. A trazer aquela percepção para atualidade, já naquela época, e sem ter consciência disso, bem que poderíamos dizer que este cronista anteviu o outrora festejado e, hoje, o quase fora de moda e moribundo DVD.

Ainda sobre o nosso assunto, aliás, sobre uma propaganda veiculada na TV, Domingos Serpa, colega de turma, viu-se surpreso com este comercial: “Rádio Semp, sinal de festa em casa”. E, numa aula de Português, ele perguntou para nossa professora Arturzita Santana, onde estava o verbo da oração.

Ao que pareceu, a mestra julgou-se testada pelo discípulo questionador e não gostou nenhum pouco do que ouviu, porque o verbo “ser”, em elipse, parecia bem claro para ela, e a frase poderia também ficar dessa forma: “Rádio Semp é sinal de festa em casa”, o que seria o mais comum.

Acontecimentos à parte, a chegada da televisão acabou por tirar muita gente das praças públicas. A do Jardim Jacaré, outrora muito frequentada, já não tinha tanto movimento, tanto glamour, porque muitos preferiam ver as telenovelas, os programas humorísticos, o futebol e os filmes.


Gravura de Jailson Borges (Jão). 2019.
Na minha rua, a Teixeira de Freitas, todas as noites, na casa de dona Celeste Braga, muita gente tomava conta da pequena sala e se acotovelava nas janelas para assistir, principalmente, a novela “Mulheres de areia” e o programa “Balança, mas não cai”, apesar de imagem e som serem ruins, mesmo pondo Bombril nas extremidades da antena e uma tela de vidro multicolorido, verticalmente, na frente do monitor, para ter-se a ilusão de imagem em cores. Era tudo muito lindo! E simples!

Quando a tevê começou a popularizar-se, começamos a visitar as casas de dona Alice de seu Silvino, em frente à casa de meus pais, e a residência de Eli de Nona. Já nas roças próximas à torre, que ficava no Morro do Domingão, ponto mais alto do município, também se podia ver televisão. Foi aí que um compadre coscuvilheiro, ao encontrar com um companheiro (não se dizia colega, porque colega é boi de canga!), especula ou "entra na semana" do outro, como se diz modernamente:

 Cuma vai vancê, cumpade? Cumé que tá de televisão nova? Fiquei sabeno que o cumpade comprou uma Telefunken ni Rosi Rocha, lá na Casa União. E aí, cumpade, tá gostano mesmo da nuvidade?

 É novinha, cumpade, mas num presta, não. Aquele troço num vale meia-pataca inferrujada. Ô dinherim mal-impregado, meu Deus do Céu. Iante eu tivesse comprado um vitrola de segunda mão lá ni Bolivar de Juca das Queimadas. A pistiada é o tempo intirinzim na mesma latumia: quando magea, num prusea, quando prusea, num magea.

Se você não entendeu, vou tentar "traduzir" tão original linguajar, que vai ficar assim: "quando tem imagem, não prosa, quando prosa, não tem imagem". Ou ainda: "quando tem imagem, não tem som, quando tem som, não tem imagem". Creio que é por aí. Ou, então, sinta-se livre para "traduzir".

É esta, portanto, nossa benquerida Santa Maria da Vitória, típica cidadezinha interiorana, de tantas e tantas histórias e causos a nos provocar frouxo de riso, para nunca mais dela se esquecer. 


Em tempo: Se alguém, de Santa Maria ou São Félix, tiver alguma foto da época, na qual apareçam pessoas vendo televisão, postarei com todo prazer, com os devidos créditos, evidentemente. E-mail: novaisnetto@gmail.com. Obrigado.
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Obs.: Crônica revista e ampliada extraída do meu livro "Meu lugar é aqui no centenário de Santa Maria da Vitória". Salvador: Prescolor, 2009. p. 137, 164p.

segunda-feira, 22 de abril de 2019

O carro na frente dos bois

Nesta crônica, relato momento angustiante e risível porque passei, tudo motivado pelo desejo de homenagear duas amigas queridas. E não deu certo. Leiam e divirtam-se.

Paulo, Toza, Novais, Lane e Nelinho. Foto: Acervo do autor.
Meter-se em assunto que não conhece direito ou em lugar onde não foi convidado é, no mínimo, atitude pouco previdente. Mas não foi assim que se comportou este cronista! Melhor dizendo: este conselho popular não foi levado em conta. Vejam, então, o que se passou.

Num certo ano da década de oitenta, registrou-se em Santa Maria da Vitória um casamento não muito comum: duas irmãs Tonhás, Eliane e Eliedna ou, simplesmente, Lane e Toza, filhas de seu Nona e dona Eli, contraíram matrimônio no mesmo dia. Como amigo de ambas desde a mais tenra idade, fui convidado especial e me sentia bastante orgulhoso disso.

Como eu não tinha paletó ou veste equivalente para ir ao evento, pedi emprestado ao colega de trabalho, Ramon Arouca, um blazer muito chique, vestuário jamais usado por mim. Entrei naquele troço e, desengonçado, mais parecendo Mazzaropi, segui pelas ruas santa-marienses até a Igreja Matriz, numa certa manhã.

No trajeto, calçando sapatos de solado de couro, feito por meu pai, e pisando em paralelepípedos bastante lisos, escorregava mais do que boi pisando em azulejo e expunha-me a gracejos do tipo: “Ô, Novais, você num tá veno que o defunto era menor que você?”, gritou alguém da Farmácia Imperial, de João Alexandre de Oliveira, referindo-se às curtas mangas do blazer, o que me obrigava a levantar um pouco os ombros, para não parecer tão curto.

Quando cheguei ao Templo, já repleto, nem sabia como me portar corretamente, uma vez que estar naquele ambiente não fazia parte dos meus hábitos. Mesmo assim o fiz, porque um dos irmãos das nubentes, Erlônio, esperava-me na porta e havia reservado lugares na primeira fila.

O casório transcorria tranquilamente, apesar de outro fato um tanto raro naquela cidade: uma freira seria a celebrante. Assim, “apesar das anormalidades”, de resto, tudo estava acontecendo dentro da mais absoluta ordem. E fiquei sentado entre Raimundinho de Maria de dona Lourdes e Erlônio, bem próximo a Glécia, minha irmã.


Paulo, Toza, Nena, Novais, Lane, Nelinho e Glécia. Foto: Acervo do autor.
A certa altura, já concretizados os enlaces, noivos risonhos e pais bastante felizes, a religiosa, após suas bênçãos finais, disse aos presentes que pudessem “tomar uso da palavra”, fazer suas felicitações e externar seus desejos de feliz e duradora união para os casais, se assim desejassem.

Milton Borba, pessoa habituada às solenidades litúrgicas, amparando-se em passagens bíblicas condizentes, desfilou palavras e frases bonitas, e concluiu conforme manda o rito:

 Rezemos ao Senhor!

 Senhor, escutai a nossa prece!  respondemos os presentes. Eu, evidentemente, por imitação.

Momentaneamente, fez-se silêncio naquela Igreja. Como mais ninguém se dispôs a falar, “tomei uso da palavra” e disse algumas coisas até bonitas (é o que me disseram depois, porque de tanto nervosismo não me lembrava de uma só palavra) e terminei imitando  equivocadamente  meu experiente antecessor:

 Senhor, escutai a nossa prece!

Esperei que os presentes respondessem alguma coisa, como fizeram com Milton Borba, mas isso não aconteceu. O que ouvi em seguida foi preocupante silêncio. Julguei que não tivesse me expressado direito, falado rápido ou muito baixo. E repeti em voz mais alta, empostada e vagarosamente:

 Senhor, escutai a nossa prece!

Pronto! Percebi, a esta altura, que algum engano havia cometido, porque o silêncio continuou. Os amigos próximos a mim, a sorrir, tentavam a todo custo me acudir e mostrar-me não ser aquela frase a ser dita, mas outra frase, ininteligível àquela altura. A suar frio e com o coração a mil por hora, entender o que eles falavam, era humanamente impossível. E isso me angustiava por demais.

Naquele momento, sem saber mais o que fazer, voz a tremular, ainda repeti o pedido ao Criador, como última cartada, solene e compassadamente, como que a implorar por socorro:

 Se-nhor, es-cu-tai a nos-sa pre-ce!  foi quando alguém, de algum lugar daquele Templo, compadecido da minha aflição, socorreu-me:

 Meu amigo, você botou o carro na frente dos bois. Tem que dizer primeiro é “Rezemos ao Senhor” e nós é que respondemos: “Senhor, escutai a nossa prece”. E não você.

Felizmente, os presentes ouviram meu anjo da guarda materializado dizer "Rezemos ao Senhor", como se eu mesmo o fizesse, pois, unissonantes, conclamaram todos, para alívio meu, um sonoro, vibrante e pausado: "Senhor, escutai a nossa prece!". E eu fiquei, ali, cabisbaixo, ensoado, sem saber onde enfiar a rubra cara, louco para sair daquele local e desaparecer mundo afora.

E assim, ante o rebuliço por mim causado, aquela solenidade matrimonial mais parecia uma feira livre. E Vanda Cirineu, administradora da Igreja, a olhar-nos fixamente sem esboçar sorriso, sedenta para nos dar uns pitos, merecidamente. Claro!

A irmã celebrante, coitada, por outro lado, com ares de preocupada, tentava a todo custo conter o próprio riso, que insistia em desabrochar. E num esforço inumano, ingente, implorava, com humildade franciscana, silêncio na Casa do Senhor. Inutilmente!

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Obs.: Crônica ampliada e revista, extraída do meu livro "Meu lugar é aqui no centenário de Santa Maria da Vitória", p. 145. Salvador: Prescolor, 2009. 164p.

segunda-feira, 15 de abril de 2019

Quando descobri meu anjo da guarda

Nesta crônica, vejam a surpresa que tive ao descobrir que há um anjo da guarda específico para cada ser humano, menos para mim, por exemplo. Confiram.

Durante certo período da minha vida, li algumas edições das revistas Super Interessante e Planeta, dentre outras sobre assuntos místicos. Em uma delas, possivelmente, a segunda, deparei com um assunto que me despertou inusitado interesse e, por isso mesmo, li com bastante atenção, não sei se o suficiente para falar sobre o tema com conhecimento de causa, o que é óbvio.

A revista a que me refiro falava sobre Angelologia, “doutrina teológica sobre os anjos”, segundo o dicionarista Houaiss. De acordo o que estudei no periódico, cada um dos 72 anjos cabalísticos guarda 5 dias do ano. A fazer uma simples multiplicação, o produto é 360 dias, logo, 5 dias ficam teoricamente sem proteção angelical. Se o ano for bissexto, isto é, de 366 dias, a diferença aumenta para 6. Constatei, no entanto, que os nascidos em 29 de fevereiro, o dia excedente, são protegidos pelo anjo da guarda Habuhiah e não estão, portanto, desamparados.

Curioso com o assunto, para mim uma intrigante novidade, fui tentando descobrir entre os 72 mensageiros celestiais qual deles seria o protetor para os nascidos em 24 de outubro, como eu. Cansei-me de tanto procurar e não encontrei, na relação, o dia em que nasci, consequentemente, meu anjo. Meio desolado, resolvi assim mesmo continuar a leitura, que estava por de mais atrativa, e cheguei a imaginar que a revista poderia ter cometido algum equívoco quando listou as datas.

Mais adiante, acabei por descobrir que os 5 dias faltantes correspondem a 5 datas, cujos nascidos nelas são chamados “Anjos Universais”, "Anjos da Humanidade", "Senhores do Sacrifício" ou “Gênios da Humanidade”, isto é, “pessoas especiais e privilegiadas, consideradas divindades cármicas, de essência angelical muito forte, e que têm o direito de escolher qualquer um dos 72 anjos como seu protetor, ou seja, aquele com quem mais se identificar”, explica a revista.

Os dias faltantes são os seguintes: 5 de janeiro; 19 de março; 31 de maio; 12 de agosto e 24 de outubro. Tomei um susto: 24 de outubro!... Justamente a data do meu natalício, dia que praticamente “obrigava” a que todos da minha família o rejeitassem, trocando-o por 25. Prova disso é um cartão postal que ainda guardo, assinado por Hermes, meu irmão, com os dizeres: “Salve 25 de outubro!”. 

Ainda com relação às pessoas nascidas nas 5 datas referidas, "somente a presença física delas consegue afastar o anjo contrário de uma família ou de um grupo", justamente por terem essência angelical muito forte. "Em nível cósmico, elas produzem a força total da consciência, dando uma combinação inteligente, o que de certa forma, representa uma aliança com Deus", é o que afirma Monica Buonfiglio nos livros Anjos cabalísticos e A magia dos anjos cabalísticos (*).

De volta a meu verdadeiro natalício, quem disse que eu queria assistir aula nesse dia? Tinha um medo terrível de gozação. E, quando ia, ficava bem quietinho, torcendo para que ninguém se lembrasse. Na minha família, por outro lado, não corria esse risco, pois não havia tradição de comemorar aniversário. A primeira vez que vi pessoas reunidas a cantarem “parabéns pra você”, já morava em Salvador, trabalhava no Baneb e completava, no já distante 24 de outubro de 1980, 23 primaveras. É verdade que meus pais, irmãos e amigos jamais deixaram de parabenizar-me nessa data, alguns deles, no entanto, vinham com a cara de boi sonso a mostrar-me iminente sorriso no semblante.

Anjo Vehuiah. Disponível em: <https://www.meuanjodaguarda.com/vehuiah/>.
De volta ao assunto angelológico, somente após 40 anos de vida, uma vez que li a referida revista na década de 1990, foi que descobri a necessidade de escolher um anjo para me proteger, haja vista não haver um específico para meu dia. No entanto, como sempre dizia haver nascido no dia 25, meu anjo cabalístico protetor tornou-se, consequentemente (creio eu), Vehuaiah ou Vehuiah (pronúncia: verruiá), que significa “Deus elevado e exaltado acima de todas as coisas”. Seu Salmo correspondente é o de número 3, versículo 3, e o Planeta é Marte. E assim acabei  sem ter consciência disso  por eleger Vehuiah, anjo da justiça e proteção, o meu guardião fiel.

Muito embora tenha, como já foi dito, a opção de escolher conscientemente meu  anjo protetor, achei que não devia fazê-lo. Deixei como teoricamente está. Não queria causar discórdia ou  quem sabe  motivar ciúme. Vehuiah tem, enfim, muitas de suas características a ver comigo, dentre elas, o gosto pela escrita e pela arte; a crença no amor; embrenhar-se em assuntos difíceis e encarar tudo com muito otimismo.

Finalmente, como não sou daqueles que costuma desconsiderar o que não se tem conhecimento pleno, tampouco acreditar em tudo o que se escreve, afinal, “papel aceita tudo”, no dizer do meu pai, posso admitir sem receio: protegido certamente sempre estive pela legião angelical e, sem dúvida alguma, mais protegido ainda pelo Supremo de todos os anjos celestiais: Deus! E que assim seja! Sempre!

(*) Em tempo: Quem se interessar mais por "Anjos da Humanidade", isto é, para os nascidos nos 5 dias especiais e/ou demais dias do ano, poderá acessar o site a seguir, onde está disponível o assunto:  <https://vidaeestilo.terra.com.br/esoterico/interna/0,,OI4102043-EI14325,00-ANJOS+DA+HUMANIDADE+de+outubro.html>. Acesso em: 14 abr. 2019.

segunda-feira, 8 de abril de 2019

Conversa num ponto de ônibus

Neste microconto, reproduzo um diálogo (ou monólogo) que presenciei num ponto de ônibus em Salvador.

Gravura de Jailson Borges (Jão). 2019.
 Dona moça, a senhora se lembra da Guerra das Malvinas?

— Malvinas? Que Malvinas? E teve guerra em Salvador? Soube disso não... Num vi nem no jornal nem na televisão.

— Não. Não, minha senhora! Num tô falano da Invasão das Malvinas daqui, não. Tô falano de outra Malvinas – e continuou:

— Malvinas é um país que fica na Argentina. Porque a Argentina, se a senhora num sabe, pertence aos Estados Unidos. E aí, vem a Inglaterra, do outro lado do mundo, e invade — e prossegue a questionar e responder:

— Agora, eu pergunto à senhora: por que os Estados Unidos não veio defender a Argentina? A senhora sabe? Sabe não? Eu respondo: o imperialismo ianque não veio porque a Inglaterra é uma superpotência e foi ela quem inventou o Euro, uma moeda bem mais forte que o Dólar deles. A senhora sabia disso? Sabia?

— Não. Num sabia disso, não.

— Pois é. Depois da guerra, veio uma crise satânica no capitalismo internacional que atingiu o mundo inteiro, menos o Brasil, porque o Principado do Brasil é quem manda na Bolívia, no Paraguai, no Equador, manda na América do Sul, e o Senhor Jesus profetizou que o Brasil vai ser o Principado do Mundo. Entendeu agora, minha senhora?

— Eu não!

*   *   *

Em tempo: Flagrei este diálogo num ponto de ônibus no Largo dos Paranhos, entrada do bairro de Cosme de Farias, em Salvador, quando um rapaz jovem, bem trajado, portando uma manuseada Bíblia, tentava conquistar mais um adepto para sua igreja. Se ele conseguiu, não posso garantir. É que, quando cheguei naquele ponto de ônibus, ele já conversava com aquela senhora e, ao tomar meu ônibus, deixei-os ainda dialogando. Dialogando, ressalto, é pura força de expressão, uma hipérbole, pois praticamente só ele falava.
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Obs.: Crônica também publicada no Recanto das Letras em 20/6/2010. Disponível em: <https://www.recantodasletras.com.br/cronicas/2330542>.

segunda-feira, 1 de abril de 2019

O dia em que meu pai me matou

Nesta crônica, revista e ampliada, mostro que alguns apelidos podem produzir risíveis momentos.

Você sabe qual é o meu prenome? Acho que não. Deve saber meu apelido, que não chega necessariamente a sê-lo, pois é nome de família, um cognome. Mas sobre isso, depois eu conto, porque  são justamente as alcunhas que me motivaram escrever esta crônica, e até outra por título “Histórias que apelidos contam”, que brevemente publicarei.

São particularmente interessantes alguns apelidos que a gente ouve por aí, principalmente no meio futebolístico. Muitos deles eu os acho bonitos, diria melhor, diferentes, tais como Obina, Vampeta, Marião e tantos outros.

Na minha Santa Maria da Vitória, há de montão, alguns impronunciáveis  aqui  porque por lá todo mundo fala com a maior naturalidade, nem se dando conta de que são termos chulos.

Hoje, entretanto, depois de mais de quatro decênios vivendo em Salvador, quando os ouço, vem-me a inevitável nostalgia e risíveis lembranças que instigam minha memória afetiva.

Outro dia, liguei para um conterrâneo e quem me atendeu foi sua secretária do lar:

 Bom dia! Por favor, Preto está?

 Aqui não tem nenhum Preto, não, meu senhor.

 Como não? Aí não é a casa de um médico de Santa Maria, filho de Tiãozinho do Mercado?

 É, sim. Mas o nome dele não é Preto, não, meu senhor. O nome dele é doutor Reinaldo Ataíde.

 Tá bem, desculpe-me. Mas, por favor, diz para ele que Novais, de Santa Maria da Vitória, ligou, tá certo? Muito obrigado.

Deixei meu telefone e Preto, gentilmente, retornou a ligação com o sorriso de praxe, porque sua secretária naturalmente lhe contou o ocorrido.

Dr. Reinaldo Ataíde entre os pais Renilde e Tiãozinho. Foto: Reprodução / Facebook.
Ainda sobre meu compatrício, seu tio Arnaldinho me contou a história de uma cirurgia que Preto fez em uma amiga santa-mariense, num hospital em Salvador. Quando esta amiga ainda se recuperava da anestesia na sala de pós-operatório, começou a chamar por alguém desconhecido dos médicos, como se estivesse a delirar.

 Cadê Pretim? Eu quero Pretim. Traz Pretim aqui, pelo amor de Deus.

O estranho apelo deixou os médicos perplexos, pois o amigo dela, Pretinho, eles desconheciam. Quando, então, doutor Reinaldo chegou, o episódio lhe foi narrado, e ele, para surpresa dos seus pares, confessou:

— Pretinho sou eu mesmo, môss. Eu acho que ela nem sabe meu nome direito, sempre me chamou assim. É um apelido familiar, de infância – e abriu imenso sorriso para seus colegas.

A propósito de outro apelido, lembro-me do odontólogo Vandnaldo Valeijo Pinto ou simplesmente Vando, amigo e concunhado soteropolitano, que um dia me ligou sorridente e feliz para contar-me sobre uma bela descoberta que fizera:

— Novais, tô aqui num consultório e descobri que o médico que tá me atendendo, gente boa demais e competente, é da sua terra. O nome dele é doutor José Otávio. Você conhece ele?

 Conheço não, Vando. Deve ser novato na cidade  respondi, convicto.

Novamente o celular tocou. Era Vando com mais informações:

 Ele disse que lhe conhece, que seu pai é sapateiro, amigo do pai dele, que também é médico. E dos bem antigos da cidade. O nome do pai dele é doutor Aziel Almeida. 

— Ah, sei, sim. Claro que conheço e muito. É Pinha de Aziel, doutor Pinha. Só que nunca soube que seu nome fosse José Otávio. Ele foi até colega de escola da minha irmã Glécia. Sempre o chamei de Pinha. Eu e nossos contemporâneos. Dê-lhe um abraço por mim — finalizei.

E ainda a despeito de apelido, esse risível episódio, ocorrido comigo, não posso, jamais, deixá-lo de fora desta crônica, senão vejam:

Tempos atrás, ao passar pelas imediações do Fórum Ruy Barbosa, no Campo da Pólvora, em Salvador, dentre os muitos transeuntes, eis que me deparo com três rapazes, de paletó, bem trajados, o que é bem comum naquele logradouro, que andavam em minha direção. Ao aproximarem-se de mim, eis que um deles se deteve, olhou para mim, que também havia parado, e me disse:

— Eu acho que te conheço, só não me recordo do seu nome.

Olhei também para ele, busquei minhas fugidias memórias afetivas, já bem distantes, e fiz o mesmo:

— Também me lembro de você, acho que do Colégio dos Padres, em Santa Maria, mas esqueci o seu nome. Então, estamos empatados. Acho que me lembro do seu apelido, posso dizer?

— Claro, que sim, fique à vontade — disse o meu “quase desconhecido”.

— A gente chamava você era de Pai de Chiqueiro, não é isso mesmo?

— Não! Não, môç! Vocês me chamavam era de Pai d’Égua — falou com um sorriso meio contido, sem graça, para arrancar enorme gargalhada de seus pares e olhares curiosos dos passantes. Ele, então, para não ficar à parte, entrou no time dos incontidos gargalhantes e sorriu enormemente. Despedimo-nos, ainda sorridentes. E felizes, sem dúvida alguma! No final do ano passado, 2023, ele novamente me reconheceu a andar pelas ruas do Bairro de Brotas e, aí sim, trocamos contatos. Essa figura, motivo dos frouxos de risos, é o advogado tributarista, Rogério Brandão, nascido no Distrito de Porto Novo, pertencente a outrora cidade baiana de Santana dos Brejos, atualmente, apenas Santana.

Agora que já falei de apelidos alheios, lembra-se do título desta crônica? Pois, bem, vou contar-lhe, então, porque resolvi escrevê-la.

Meu pai registrou-me Adnil, nome do pai dele. Só que, desde de menino, jamais me chamaram assim. A verdade é que meu tio materno, Osias Almeida, também poeta, achava o nome pouco sonoro, não impactante e feminino, e começou a chamar-me apenas Novais.

E assim me acostumei. Tanto é, que na minha cachimônia coexistem em harmonia os dois nomes: Adnil, o estudante aplicado e introvertido, e Novais, mais liberto, que sou eu, a mistura dos dois.

Certa ocasião, eu estava numa sala ao lado da sapataria do meu pai, em nossa casa, quando entrou um brejeiro e o saudou alegremente: 

 Adeusim, Bastião! Cuma tem passado? Cumé que tá Adnil?

 Eu vou mal e mal. Adnyl é que tá embaixo de sete-palmos, cumpanhero. E já faz é um tempão.

 Oxente, home, deixa de caçoada! Tá pilheriano cumigo, Tião? Será que tô ficando abilobado ou tô veno visage? Apois, isturdia, eu vi ele na feira comprano piqui e cagaita, muito alegre e sastifeito, num parecia doente, não. Cê quer dizer, entonce, que seu fii morreu?!

 Morreu não, môss! Tô bestano. Eu pensei que cê perguntou foi por meu pai Adnyl. Novais tá vivim da silva, graças a Deus. Eu qu’isqueço que o nome dele também é Adnil. A gente só chama ele de Novais e aí eu acabo esqueceno.

Neste momento, fui para tenda de sapateiro cumprimentar o senhor que procurou por mim, e tudo terminou numa bela risadaiada, como normalmente por lá dizemos, em lugar de risadaria.

Finalmente, a propósito do meu nome, veja o que me restou desse caricato bolodório: eu, que sou filho de Tião de Adnyl, sou também Adnil de Tião. Ou, para ser mais claro e evitar qualquer possibilidade de homonímia, sou, sem dúvida alguma: Adnil de Tião de Adnyl.

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Obs.: Crônica publicada inicialmente no Jornal ComércioHoje, de Santa Maria da Vitória, edição de nov/dez-2006.

Quem sou

Historieta zodiacal

Às vezes, a vida nos surpreende tão imponderavelmente que nem mesmo o mais invulnerado coração pode p rever e prevenir-se de algo que não de...