Por Novais Neto, santa-mariense, trineto do Ten. Cel. Joaquim Affonso de Oliveira, fundador de Santa Maria da Vitória, Bahia, Brasil.
Primeiro cais da cidade, que era bem mais baixo, no início do século passado. |
No final do século XVIII, por volta de 1782, o fidalgo português e padre egresso da Igreja Católica, André Affonso de Oliveira, desbravador do sertão baiano e pai do fundador da cidade, Ten. Cel. Joaquim Affonso de Oliveira, aportou às margens do Rio Corrente. Porém, em virtude de surtos de impaludismo advindos de pântanos e lagoas situados entre o rio e o Morro do Menino Deus, mudou-se para os confins de suas terras, dando-lhe o nome de Espírito Santo, onde ergueu uma Capela. Por lá, faleceu e está sepultado.
Seu filho, o Ten.-Cel. Joaquim Affonso de Oliveira, por desavença política com a Província, em virtude de não ter conseguido elevar à categoria de vila seu povoado, desgostoso, regressou para a sede da Fazenda Porto, propriedade familiar, às margens do Rio Corrente, e a renominou Porto de Santa Maria, que foi doada, para tornar-se futura sede da atual cidade.
Anos mais tarde, depois de ter ido a terras lusitanas, trouxe consigo uma imagem de Santa Virgem da Vitória, quando o lugarejo foi rebatizado Porto de Santa Maria da Vitória. Entretanto, em 26/6/1909, a então vila, foi elevada à categoria de cidade e passou a chamar-se tão somente Santa Maria.
Posteriormente, já no ano de 1943, por existirem outras cidades com a mesma denominação, cogitou-se renominá-la Correntânea ou Samaria. Seu povo, contudo, não aceitou as sugestões e acrescentou-lhe apenas “da Vitória” após o nome de Santa Maria, que permanece até nossos dias. Felizmente!
Vista de Santa Maria da Vitória a partir de São Félix do Coribe. Ao fundo a primeira Igrejinha que ficava bem mais à frente da atual, onde fica atualmente o conhecido “minhocão”. |
Até aí, tudo seria absolutamente coerente não fosse um belo capricho da natureza, ao dar para o relevo local, características, por certo, singulares. A Rua de Cima está na parte baixa e, na parte alta, fica a Rua de Baixo. É certo que os nomes foram dados tomando-se por referência o sentido do rio. No entanto, os menos atentos dificilmente percebem este detalhe.
E ainda por conta do sentido que corre nosso rio, o atual Tamarindeiro, o da Barca, é chamado pelos mais antigos, como meu pai, Tião Sapateiro (88 anos), de Tamarindeiro de Cima. E aí vem a inevitável pergunta: e havia outro tamarindeiro? Havia, sim, chamado Tamarindeiro de Baixo, que ficava no fundo da casa de Manuel Bodeiro, onde é atualmente o Jardim Fifa, em frente à Associarte Santa Maria, na Rua de Baixo. Ainda guardo lembrança dele.
A comungar com esta aparente incoerência histórica, existem outras que são hilariantes, principalmente, os apelidos que têm alguns dos seus distintos filhos, naturais ou adotivos. Por exemplo, a um legítimo representante da raça negra, deram-lhe o nome de Zé Leite, enquanto alguém de cútis branca (como registravam as antigas certidões de nascimento), chamam-no Pretinho. O mesmo vale para Negão do PT, que é branco. Já um cidadão bem grisalho atende pelo generoso cognome de Nenezinho, quando, por outro lado, uma figura jovial admite que o chamem Veio. Da mesma forma, Menininha e Meninão, há muito tempo, deixaram de ser criança.
Vista antiga da Praça do Jacaré, quando este nem existia, no início do século passado. |
Ainda seguindo esta linha de contradições, Em Paz era a alcunha de um dos seus filhos adotivos que não costumava “levar desaforo para casa”. Já Guerra e Guerrinha, esses são da paz, nem de longe os apelidos e suas ações se conjugam. Eles são inimigos de confusão.
No ano de 1989, surgia para o Brasil, em Alagoas, um “fenômeno” na política nacional, o carioca Fernando Collor de Mello, autointitulado o “caçador de marajás”, que se tornou o 32º Presidente do Brasil, de 1990 até renunciar em 1992. Em nossa Cidade Riso, como também ficou conhecida Santa Maria, havia um marajá, caçado por Collor, que não negava o apelido nem a origem:
— Sou Zé Marajá e não tenho medo desse caçador meia-tigela.
Só que esse Zé, de saudosa memória, cuja esposa não é marani, nem ele, o marajá caçado pelo o ex-presidente. Trata-se, na verdade, do agropecuarista José Moreira da Silva, ex-barqueiro, ex-vereador da cidade, quando nem se recebia salário pelo cargo, por isso mesmo a concorrência era bem menor. Seu apelido adveio da Barca Marajá, de sua propriedade.
E Anjo? “Este não tem nada a ver com o ente celestial”, diriam muitos. Por esta razão, acrescentaram-lhe o adjetivo “Mau” e ele se tornou Anjo Mau.
Além dos aparentes contrastes, soma-se o fato de ser Santa Maria da Vitória uma cidade “internacionalizada”, dada a variedade de pessoas com nome de países, tais como: Argentina, Israel, Zaire, Quênia, Irã e Iraque.
Para completar este sui generis quadro de antíteses, o primeiro morador da Casa Paroquial, quando esta ainda estava em construção, na década de 1960 do século passado, foi o Velho Cão, um mendigo, amigo de Jesus Ferreira da Silva, trabalhador rural e fazedor de adobe, conhecido por Velho Jesus. Creiam-me!
Santa Maria da Vitória (BA), junho de 2018.
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(Crônica extraída do livro “Meu Lugar é Aqui no Centenário de Santa Maria da Vitória, 2009, p. 31”, revista e ampliada especialmente para o 109º Aniversário de Emancipação Político-Administrativa do Município de Santa Maria da Vitória, com algumas informações colhidas de Hermes Novais Neto, meu irmão, licenciado em História. Esta crônica, a original, também pode ser lida no Recanto das Letras – <https://www.recantodasletras.com.br/cronicas/2173639>. – onde há alguns comentários interessantes, inclusive da escritora gaúcha, Maria Della Giustina, que é da cidade de Santa Maria-RS).
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Obs.: Crônica publicada no Matutar Notícias em 14/6/2018. Disponível em: <https://www.matutar.com.br/arte-e-cultura/os-contrastes-santa-marienses/>.
POVO SEM HISTÓRIA É UM POVO SEM MEMORIA ,MUITO LEGAL E GRATIFICANTE SABER MAIS DA HISTÓRIA DE SANTA MARIA DA VITÓRIA Ba .
ResponderExcluirFantástico amigo Novais parabéns
ResponderExcluirMaravilha Novais. História que merece registro. Você o faz com maestria. Meu lugar é aí.
ResponderExcluirFantástico. 9
ResponderExcluirEu viajo nas história contadas por Novais. Quando leio, revivo. Uma nova valvula ativa em minha vida. Parábéns Novais.
ResponderExcluirMaravilhosa história parabéns
ResponderExcluirNovais, muito bom ler suas crônicas. Histórias...
ResponderExcluirExcelente suas estórias e crônicas Poeta Novais. Orgulho nosso . Grande abraço. . 👏👏🙏
ResponderExcluirExcelente! Parabéns amigo Novais!!
ResponderExcluirParebéns Santa Maria da Vitória e meu amigo Novais Neto pelos relatos Históricos!
ResponderExcluirQuerido Novais, bom dia!!!
ResponderExcluirAgradeço pela sua generosidade em compartilhar conosco textos e fotos marcantes da nossa cidade.
Laudeni- São Paulo
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