Nessa crônica, homenageio Santa Maria da Vitória pelos 110 anos de emancipação política e administrativa, lembrando seu primeiro bairro, meu palco da infância e adolescência.
Árvore da família das dileniácias,
Curatella americana, dispersa por todos os campos cerrados, que se caracteriza pelas amplas folhas, ásperas como lixa, flores e frutos pequeninos. A casca serve para curtir couro. As folhas são empregadas para lixar madeira e a madeira usada em carpintaria, marcenaria e obras internas.
Sambaíba é uma palavra de origem tupi,
sã-ba’iwa que serve também para denominar um arbusto da família das tiliáceas,
Trichospermum sp., a sambaíba-da-baía. É comum se chamar ainda sambaíba-do-rio-são-francisco, sambaíba-de-sergipe, caimbé, lixeira, cajueiro-bravo, craibeira e penteeira.
São estas, portanto, as qualificações científicas dadas pelos botânicos e encontradas no Aurélio. Por outro lado, a Sambaíba desta crônica é o nome do bairro mais antigo de Santa Maria da Vitória. Mais antigo e não menos esquecido, outrora, pelas autoridades da minha terra.
Sua denominação é herança da antiga Fazenda Sambaíba ali instalada, por haver muito desta planta, e como ainda são chamadas algumas capoeiras (roças) marginais esquerdas do Rio Corrente, nas proximidades do bairro.
Um lado pitoresco e lendário, segundo me contaram, envolve a origem do nome. Dizem que ele vem da justaposição do nome de uma dondoca muito bonita, Iba, que costumava agitar as Folias de Reis locais. Seus admiradores não a deixavam descansar um só instante, sob o uníssono apelo: Samba, Iba. Daí, em justa homenagem, foi dado o nome Sambaíba à fazenda onde ela morava. Certo é que há quem assine embaixo dessa história: Nélson Neves, o sapateiro, o músico. Duvidar, para quê?
Definições, origens e invencionices à parte, foi nesse rincão bucólico que a infância deste que escreve teve seus dias marcantes e inesquecíveis. Era para lá que, à tardinha, estava sempre disposto a passear. Um passeio, claro! Ir à roça já pensando que, no dia seguinte, bem cedinho, iria beber leite quente no curral, era verdadeiramente motivo de festa! Quando não era isso, nas águas (época das chuvas), se plantava capim, feijão, melancia, milho e maxixe.
Cabe aqui uma pequena ressalva para os dias atuais: criança que se preza não encara com muita seriedade o fato de ali ser um trabalho. Por essa razão, isso só acontecia quando estava em companhia de outros meninos para brincar, levando comida, água e a indispensável rapadura. Uma verdadeira festa.
São agradabilíssimas também as lembranças das partidas de futebol de salão jogadas numa quadra construída por empregados do Banco do Brasil na segunda metade dos anos 1960, para prática de futebol de salão e voleibol, onde é, hoje, uma das pistas de dança do Clube Social de Santa Maria (em ruínas). Logo depois, a turma migrou para o Campo do Derba.
Recordar os passeios, margeando o rio, entrando nas roças, no mato, que invariavelmente fazia quando saía para caçar (pelotar, atirar pelota de barro com estilinque, badogue ou zunga) passarinho ou apanhar pitomba, cagaita, procopa, grão-de-galo, melancia-da-praia. Isso é mais do que simplesmente voltar ao passado: é recriar os belos momentos da vida.
Tudo quanto leva a lembrar desse bairro-fazenda é motivo para agradecer a providência divina de ter vivido a infância, a adolescência e parte da juventude em lugar tão aprazível, humilde, acolhedor e privilegiado pela natureza.
Como nem tudo são flores, foi ali também que assisti a magarefes e vaqueiros cometerem atrocidades mil com indefesos e infelizes bovinos condenados à morte no Matadouro Municipal (Curral da Matança, como dizíamos), que naquele lugar fora instalado, próximo ao rio, onde eram jogadas as fezes dos animais abatidos.
Relembrar a Sambaíba é algo que sempre me empolga, deixa-me noutra biodimensão e saudosista, pois me sinto parte desse bairro. Não são, portanto, as palavras suficientes para expressarem o carinho a ele dispensado, porque estas são frágeis, perdem-se ao vento, e são incapazes de traduzir com fidelidade nosso sentimento. Ainda assim, faço-o com todo carinho.
A Sambaíba de hoje é um bairro empobrecido, entregue à própria sorte. Nem por isso deixa de ser o palco da saudade, de onde recolho as melhores e mais reconfortantes reminiscências infantis para guardá-las à posteridade.
A ela, à Sambaíba, a homenagem na essência desta pequena e pretensiosa crônica, é uma insignificância. Entretanto é a arma de que dispõe este que escreve, para tentar sensibilizar as autoridades da nossa terra, tentando mostrar que a Sambaíba é parte da história santa-mariense e, por este e outros motivos, merece mais atenção.
Em tempo: Esta crônica foi escrita em 26/1/1991. Posteriormente, numa visita em 2004, pude observar que o bairro foi lembrado. Já dispunha de um Centro Cultural, calçamento, água e luz, mas anseia ainda por mais melhorias.
Em 2019, quando lá retornei a convite da moradora e amiga Ísis Juliana, professora da Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB), pude observar que o bairro está completamente diferente daquele que conheci. Em quase nada lembra a Sambaíba de outrora, da minha infância, a não ser pela existência de dois tanques utilizados por meu pai para curtir couro, pelas as ruínas da antiga Algodoeira dos Coelhos e por um dos pés de jatobá, à margem do Rio Corrente, caído. E mais adiante, a Fazenda Sambaíba, do meu pai, a parte debaixo. Depois disso, somente o antigo corredor da Fazenda de Zé Manoel, que ainda resiste.
Desse modo, esta pequena crônica é uma tentativa de homenagear meus amigos e conhecidos de tempos idos, tais como: seu Alfredo, dona Jovem, seu Deoclides, Valdim e Isabel, seu Júlio Mãozinha, seu Júlio Careca, Domingos Bagaço, Domingos Preto, Cícero, Lega do Derba, seu Joaquim Bosta Quente e familiares, dentre outros que da memória, por certo, me fugiram.
Fotos numeradas indicadas no mapa elaborado pelo autor
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Mapa da Sambaíba entre as décadas de 1960 e 1970. Elaboração: Novais
Neto. 2019. |
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Foto: Reprodução / Google / Maps. 2019. |
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Fotos 1 (vide mapa): Vistas do Rio Corrente das terras da antiga
Cooperativa. |
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Porto da Sambaíba (curtume): Novais e Tião Sapateiro. Foto seguinte:
Hermes entre os irmãos Zéu e Bega. |
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Fotos 2 (vide mapa): Porto da Sambaíba e curtume de Tião Sapateiro. |
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Foto 3 (vide mapa): Tião, Novais e Hermes. Anos 1980. |
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Fotos 4 (vide mapa): Porto de Seu Tião. Foto: Hermes Novais. Anos: 1990. |
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Fotos 4 (vide mapa): Porto de Seu Tião. Foto: Novais Neto. Anos: 1990. |
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Fazenda Sambaíba: Novais e Hermes no curral. Anos: 1980. |
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Fazenda de Zé Manoel: Baixinho com o cão Peri e Zé Manoel agachado.
Anos: 1970. |
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Corredor da Fazenda Sambaíba de Zé Manoel: Baixinho e Zé Manoel. Anos: 1970. |
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Jatobazeiro remanescente ao lado do Cemitério Santa Verônica. Foto:
Novais Neto. 2019. |